Ex-assessor de Bolsonaro foi o 3º que mais bloqueou jornalistas no Twitter
  • 14.06
  • 2021
  • 17:10
  • Pedro Teixeira

Liberdade de expressão

Ex-assessor de Bolsonaro foi o 3º que mais bloqueou jornalistas no Twitter

Suspeito de ter articulado um gabinete paralelo sobre a gestão da crise sanitária que teria minado a autonomia do Ministério da Saúde, segundo apuração de senadores de oposição na CPI da covid-19, Arthur Weintraub bloqueou 17 profissionais de imprensa no período em que foi assessor especial da Presidência da República, entre janeiro de 2019 e setembro de 2020.

O número foi levantado pelo monitoramento de jornalistas bloqueados por autoridades na rede social feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Até esta segunda-feira (14.jun.2021), Weintraub era a terceira autoridade que mais tinha dificultado o acesso da imprensa a seu perfil no Twitter, atrás apenas de seu irmão e ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub (28), e do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) (65).

Recolhidos via formulário do monitoramento ou de forma direta pela equipe Abraji, os motivos dos bloqueios perpetrados pelo advogado orbitam sobretudo em torno de reportagens sobre sua indicação à diretoria da Organização dos Estados Americanos (OEA), seu irmão, e seus posts sobre a pandemia. 

Como o próprio ex-assessor admitiu em seu canal do Youtube, e o presidente confirmou em evento do Ministério do Turismo, Weintraub mergulhou em estudos sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em tratamento precoce sem eficácia comprovada - e com possíveis riscos ao paciente - contra a covid-19 para aconselhar Bolsonaro.

O fato é que, apenas em 2020, Weintraub escreveu 122 tweets com os termos “cloroquina”, “hidroxicloroquina” e “tratamento precoce”, recebendo mais de 1 milhão de curtidas e cerca de 250 mil retweets até a última sexta-feira (11.jun.2021). Nesse ínterim, vedou o acesso de jornalistas a sua conta — detentora de 622,3 mil seguidores.

Um dos profissionais de imprensa bloqueados pelo ex-assessor especial da Presidência foi o repórter de ambiente, ciência e saúde da Folha de S.Paulo Phillippe Watanabe. Em 06.abr.2020, ele respondeu a um conteúdo desinformativo sobre a eficácia da hidroxicloroquina publicado por Weintraub, que se baseou em uma enquete com médicos.

“Survey é melhor traduzido como enquete, questionário, que é exatamente o que foi feito nesse caso. O assessor especial do presidente e professor de direito da Unifesp esqueceu de falar que é um levantamento de opinião. Ciência não é opinião”, explicou Watanabe em um tweet, retaliado com bloqueio por Weintraub.

Procurado pela Abraji, Watanabe afirmou que não teve outras interações com o ministro, senão os comentários sobre posts que continham conteúdo desinformativo sobre a pandemia. Assim como ele, foram bloqueados jornalistas de Estadão, O Globo, Valor Econômico, UOL, BBC, Poder360, Globonews, The Intercept Brasil, O Antagonista e O Tempo.

Embora considere a atuação de Weintraub no suposto gabinete paralelo ambígua, justamente por se tratar de um órgão extraoficial, o professor do curso de gestão de políticas públicas da USP Pablo Ortellado avalia que “nenhuma autoridade deveria bloquear pessoas, por estar usando esse instrumento na qualidade de agente público”. Todos os bloqueios contabilizados pela Abraji foram efetuados quando o advogado era assessor especial da presidência.

Ortellado lembra que o Projeto de Lei 2630 - mais conhecido como PL das fake news -, aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados, tornaria ilegal essa prática que, no seu entender, é antiética. “O texto estabelece que a autoridade pública que usa a sua conta pessoal para comunicar suas atividades, no exercício de um cargo, não poderá bloquear pessoas, porque senão impediria o acesso à informação. E isso não vale só para jornalista”, sublinhou.

A proposta tem, no entanto, outros pontos controversos que despertaram repúdio de organizações, entre elas a Abraji, e depende da aprovação da Câmara, que pode alterar o texto.

Indagado sobre a disseminação de desinformação sobre a cloroquina, o advogado sanitarista e pesquisador associado do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP, Daniel Dourado, considera que o comportamento de Arthur Weintraub na divulgação do tratamento precoce poderia ser enquadrado como charlatanismo, crime de baixo potencial ofensivo caracterizado no artigo 283 do Código Penal Brasileiro. 

Procurado pela Abraji, Arthur Weintraub não havia se pronunciado até a publicação desta reportagem. A convocação dele para depor na CPI da covid-19 foi aprovada na sessão do dia 26.mai.2021. O depoimento ainda não tem data marcada.

Em 11.set.2020, o Radar Aos Fatos mostrou que, nos primeiros seis meses de crise sanitária global, o advogado foi a segunda autoridade a acumular mais engajamento com conteúdo sobre a cloroquina, com, àquela altura, 936.084 retweets e curtidas. Acima dele, somente Jair Bolsonaro, com 1,5 milhão.

Onze dias depois, Weintraub foi exonerado da assessoria especial da presidência, cargo com remuneração de R$ 16,9 mil, para receber US$ 9,3 mil (cerca de R$ 47,6 mil na cotação atual) como representante brasileiro na diretoria da OEA, por indicação de Bolsonaro. Com isso, caiu de forma drástica a frequência dos tweets do ex-assessor especial sobre tratamento precoce.



Campeão em bloqueios

O presidente Jair Bolsonaro, que segue no topo da lista de autoridades que mais bloqueia no Twitter, fez o mesmo com a conta do portal Congresso em Foco, no dia 11.jun.2021.

O bloqueio ocorreu após o site lançar um editorial defendendo o impeachment de Bolsonaro. “O afastamento de Jair Messias Bolsonaro da Presidência da República é passo obrigatório e urgente para o país ter uma gestão minimamente eficaz da pandemia e afastar-se da insegurança jurídica causada por quem não tem limites para ameaçar a democracia, atentar contra a Constituição e transformar a nação num cemitério da racionalidade, da humanidade e do respeito ao outro”, declarou o veículo.

“Bolsonaro nunca respeitou as regras democráticas, mesmo antes de ser presidente. Não sabemos exatamente o que motivou o bloqueio, mas acreditamos que deve estar relacionado ao incômodo que ele sente com liberdade de imprensa e de expressão, valores que consideramos fundamentais em uma democracia”, declarou Amanda Audi, diretora do Congresso em Foco e conselheira da Associação de Jornalismo Digital (Ajor).

Procurada pela Abraji, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República não havia se pronunciado até a publicação deste texto.

Além de 65 jornalistas, segundo monitoramento da Abraji, o presidente bloqueou quatro veículos de imprensa: Diário do Centro do Mundo, Aos Fatos, The Intercept e Congresso em Foco. Seguindo o exemplo de seu chefe, o ator e secretário especial de Cultura, Mário Frias, impediu o acesso da conta da editoria Ilustrada, da Folha de S.Paulo, a sua conta no Twitter. Após checagem, o deputado estadual Gil Diniz (PSL-SP) também retaliou o UOL Confere com bloqueio na rede social. 

Depois da confirmação de novos casos mapeados com o auxílio da campanha Bolos Antiblock, promovida pela Abraji em parceria com o Congresso em Foco, o monitoramento registrou 233 bloqueios a 121 jornalistas de 91 diferentes veículos. Na lista, estão 35 autoridades, entre as quais o presidente, senadores, deputados, governadores e ministros.

 

Como a Abraji fez

A Associação monitora as autoridades que bloqueiam os jornalistas de forma ativa desde set.2020, com financiamento da Open Society Foundations. Profissionais de imprensa também podem relatar seus casos por meio deste formulário.

Os dados sobre os posts de Arthur Weintraub sobre “cloroquina”, “hidroxicloroquina” e “tratamento precoce” no Twitter foram pesquisados com a plataforma Tweetdeck e raspados com a extensão Instant Data Scraper. Os tweets duplicados foram apagados com a ferramenta Open Refine.

* Foto via Agência Brasil
 

Assinatura Abraji