Rubens Valente arrecada 92% de valor para indenizar Gilmar Mendes
  • 19.05
  • 2022
  • 11:39
  • Abraji

Liberdade de expressão

Rubens Valente arrecada 92% de valor para indenizar Gilmar Mendes

*Foto de capa: arquivo pessoal

A campanha solidária ao jornalista Rubens Valente arrecadou até esta quinta-feira (19.mai.2022) R$ 286 mil92,3% da meta estipulada (R$ 310 mil). O valor permitiu que Valente honrasse em 10.mai.2022 a indenização de R$ 319 mil (após correções) ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro o processou por não gostar das citações ao seu nome no livro do jornalista sobre a operação Satiagraha.

Na terça (17.mai.2022), o desembargador relator do processo no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) reconheceu o pagamento da dívida e intimou Mendes a se manifestar sobre o depósito.

Colegas de Valente, indignados com a punição que custaria mais que todo o patrimônio adquirido pelo jornalista durante mais de 30 anos de trabalho assalariado, começaram nas redes sociais um movimento para ajudar no pagamento. Mais de 2.400 pessoas doaram recursos para saldar a dívida.

“Essas doações ultrapassam a solidariedade a mim como jornalista. Centenas de pessoas me procuram e dizem que estão ajudando contra a condenação pela liberdade de imprensa e o direito à informação. Pedem que o jornalismo continue fiscalizando o Poder Judiciário”, diz Valente em entrevista à Abraji. O profissional de imprensa agora aguarda que o juiz declare a extinção do processo.

Inocentado na decisão de primeira instância, o jornalista foi condenado em 2ª instância a pagar R$143 mil a Gilmar Mendes por criticar no livro “Operação banqueiro: As provas secretas do caso Satiagraha” uma decisão do ministro. A Geração Editorial, empresa que publicou a obra, foi multada no mesmo valor.

Funcionário da Folha de S.Paulo por mais de 20 anos e colunista do portal UOL até o início de mai.2022, Valente conseguiu recursos para quitar a sua pena pecuniária, mas a editora afirmou não ter caixa para saldar o que ficou devendo.

A defesa de Mendes então acionou a Justiça para que a dívida fosse executada sobre a parte solidária da editora, que era o próprio Valente. O desembargador relator ainda fez uma correção do valor total aumentando a multa para R$ 319 mil. Em vista disso, restaram R$ 176 mil para Rubens arcar.

Como não havia mais possibilidade de recurso nos tribunais superiores, Valente acudiu a um último recurso aventado por amigos: a solidariedade de jornalistas, fontes e defensores da liberdade de imprensa no geral. Além de colegas jornalistas, Valente foi surpreendido por antigos entrevistados, que reconhecem seu trabalho. “Pessoas que entrevistei há mais de dez anos, em Mato Grosso, Pará, Espírito Santo, São Paulo, vieram me ajudar agora que precisei”, diz ele.

A iniciativa visou levantar os recursos necessários para liquidar o que sobrou da dívida. Segundo tweet de Valente desta terça (17.mai.2022), a arrecadação foi suficiente para cumprir o valor remanescente e reembolsar R$ 110 mil ao jornalista.

Um dos amigos de Valente ouvidos pela Abraji, que pediu para ter seu nome preservado para evitar represálias profissionais, recorda que o jornalista não queria recorrer a uma campanha de arrecadação por considerar a situação de fome e desemprego do país mais urgente. “Mas, sem alternativas, foi a possibilidade que restou. E agora presenciamos o apoio da sociedade ao trabalho da imprensa”, afirmou.

Outros profissionais de imprensa vieram a público para incentivar a campanha. O ex-presidente da Abraji e editor do jornal Estado de S. Paulo Daniel Bramatti anunciou em tweet que daria uma edição autografada do livro “História do Cerco de Lisboa”, de José Saramago, a quem lhe enviasse o comprovante de maior doação para Rubens Valente.

O publisher do site Coluna Esplanada, Leandro Mazzini, pôs à venda também nas redes sociais uma caixa de música do acervo pessoal de Getúlio Vargas, personalizada com as iniciais do ex-presidente e adquirida em leilão com certificado por R$ 4 mil, com o propósito de destinar o dinheiro do negócio a Valente.

Um grupo de jornalistas também organizou uma rifa no valor de R$ 30 para juntar fundos para Valente. Cada pessoa pode comprar mais de uma tentativa. Entre os prêmios está uma revista número 1 da Mônica, original, de 1970, além de outras quatro recompensas. Para a rifa, os jornalistas vasculharam em casa o que tinham de mais interessante para colocar à disposição. Veja como funciona a rifa neste link.

Toda essa ajuda foi fundamental, visto que o valor determinado na sentença supera todo o patrimônio amealhado pelo jornalista em 30 anos de profissão, conforme reportagem do jornalista Vasconcelo Quadros para a Agência Pública.

Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo avaliam que a indenização imposta ao jornalista é contrária ao precedente do STF. A própria corte recomenda que nos casos de responsabilidade civil por danos morais e materiais deve ser observada "cláusula de modicidade" ao se fixar indenização quando o suposto ofendido na honra e imagem for agente público.

Em nota enviada pela assessoria do presidente do STF, Luiz Fux, à Folha de S.Paulo, o tribunal afirmou que não fez qualquer "análise sobre o valor da indenização ou o conteúdo do livro. A execução do pagamento, bem como a correção dos valores, é de responsabilidade do tribunal de origem [Tribunal de Justiça do DF] que julgou a causa".

No texto, Fux reafirmou defender que jornalistas não podem ser "intimidados" nem "amordaçados" em uma democracia. "O ministro Luiz Fux reitera o que afirmou na abertura da exposição 'Liberdade e Imprensa: O papel do jornalismo na democracia brasileira': a imprensa é um dos pilares da democracia e em uma democracia jornalistas não podem ser intimidados e nem amordaçados", disse.

Para Valente, uma indenização dessa monta pode ter o objetivo de coibir a investigação jornalística sobre setores da vida pública, em especial o judiciário. “De 60% a 70% das pessoas que falaram comigo sobre a indenização eu não reconheço os nomes. Isso prova que houve uma indignação coletiva. As pessoas viram que o jornalismo pode ser facilmente constrangido”, avalia.

O jornalista pede ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que seja considerada a possibilidade de criar novas ferramentas para arbitrar litígios em que uma das partes compõe o Judiciário. “É como a gente ter uma causa julgada no campo adversário”, pontua.

Valente tem listado em sua conta no Twitter peculiaridades sobre o rito do processo. Ele não foi ouvido durante o julgamento da ação de Gilmar Mendes. Teve autoria imputada de texto que não escreveu. E Gilmar Mendes não é o protagonista do livro que motivou a indenização.

Ainda de acordo com Valente, seu caso mostra a urgência da formação de uma rede de apoio para ajudar profissionais de imprensa que venham a ser constrangidos pela Justiça. A Abraji mantém, com apoio financeiro da organização internacional de direitos humanos Media Defence, um Centro de Proteção Legal para Jornalistas para amparar os profissionais que sofram processos por causa de suas reportagens.

Fundado em 11.mai.2022, o Coletivo Mulheres Jornalistas pela Democracia, que inclui profissionais das cinco regiões do país, defende a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e os valores da diversidade e equidade étnico-racial, redigiu esta Moção de Solidariedade ao Jornalista Rubens Valente e convida todos os cidadãos brasileiros a subscrevê-la.

Porta-voz do coletivo e colunista da Folha de S.Paulo, Cristina Serra lembra que a sentença contra Rubens, além da indenização, determina que a petição inicial e a decisão do desembargador relator sejam anexadas às futuras edição do livro “Operação Banqueiro”, o que inviabiliza a republicação da obra. “No nosso entendimento, essa prática viola a liberdade de informação e o direito à informação, dois preceitos constitucionais”, declara. Para assinar o manifesto, acesse este formulário.

A assistente jurídica da Abraji, Letícia Kleim, escreve, em artigo publicado no site Jota, que a condenação de Valente, jornalista consagrado com 20 prêmios nacionais e internacionais além de dois livros publicados, pode levar à autocensura de outros profissionais que cobrem o judiciário. A própria decisão que condenou Valente cita que demandas como as de Gilmar Mendes são "extremamente comuns" e argumenta que o aspecto preventivo na reparação do dano moral reduz a incidência desses atos ilícitos, "intimidando com um diminuição patrimonial".

No julgamento de Valente, Kleim avalia que houve ao menos quatro violações de direitos: "à proteção e às garantias judiciais, que demandavam um rigor ainda maior por se tratar de um processo movido por um funcionário público de grande poder e influência no Judiciário; à liberdade de expressão do jornalista, por configurar uma forma de censura indireta e uma restrição desse direito; à honra, reputação e vida privada, pela estigmatização de seu trabalho como profissional; e, à propriedade, pela desproporcionalidade da condenação, e a impossibilidade de poder continuar publicando o livro".

A Abraji, em outra parceria com o Media Defence e a entidade internacional Robert F. Kennedy Human Rights, e com o advogado do jornalista, Cesar Klouri, levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A preocupação é com o descumprimento dos preceitos constitucionais e os riscos que uma medida desse tipo representa ao exercício da profissão no Brasil.

A campanha continua a receber doações por meio de PIX com a chave aleatória, segundo informações abaixo: 

Chave aleatória: a45ad0a9-22ef-4d20-8bd0-f756f6e7cc76

Assinatura Abraji