Vigilância pelas plataformas e armazenamento de mensagens são pontos graves do PL, dizem especialistas
  • 15.07
  • 2020
  • 13:45
  • Abraji

Liberdade de expressão

Vigilância pelas plataformas e armazenamento de mensagens são pontos graves do PL, dizem especialistas

Coletar dados dos usuários, armazenar mensagens de forma massiva e delegar às plataformas digitais o poder de vigiar os cidadãos são falhas graves do PL 2630/2020, conhecido como PL das fake news. As críticas foram feitas em mais um debate virtual promovido pela Abraji para avaliar a chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

O webinar “PL das fake news: riscos para a liberdade de imprensa”, realizado com apoio do InternetLab, centro independente de pesquisa em direito e tecnologia, discutiu o projeto de lei aprovado no Senado e que está em tramitação na Câmara dos Deputados. A Abraji e mais de 50 entidades da sociedade civil assinaram carta em que apontaram que o PL 2630/2020 não deveria ser votado de forma apressada e em plena pandemia, ainda mais por incluir medidas que violam o direito ao sigilo à informação e à liberdade de expressão.

Participaram do debate o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), autor do texto original do PL; a diretora adjunta da Rede Internacional de Checagem de Fatos (IFCN, na sigla em inglês), Cristina Tardáguila; o diretor do InternetLab Francisco Brito Cruz; a advogada especialista em mídia e Internet Taís Gasparian; e diretora da Abraji Natália Mazotte.

Mazotte, que moderou o debate, abriu o painel lembrando que o PL nasceu para combater a desinformação, mas que o próprio conceito de desinformação é complexo. “Existe todo um universo de desordem informacional que vai da ironia mal percebida na internet até as fábricas de mensagens intencionalmente falsas”, explicou.

Questionada se é possível combater o que se chama de “fake news” com o tipo de regulação que vem sendo proposta no Congresso brasileiro, Cristina Tardáguila disse: “É um caso clássico de o Brasil tentar resolver um problema difícil com uma solução fácil”. A brasileira, que há dois anos acompanha de perto os projetos de desinformação e regulamentação em 60 países, assinalou que nenhuma democracia sólida tomou o rumo que o Brasil está adotando com o PL 2630/2020.

Como coordenadora de uma rede mundial de agências de checagens, Tardáguila lembrou de leis similares editadas na Ásia que tiveram consequências devastadoras para a sociedade e a imprensa, como no caso da Indonésia, em que mães que compartilharam informação sobre um terremoto foram presas. A tensão entre os profissionais de imprensa também é evidente.  “A autocensura entre jornalistas na Tailândia tem sido cavalar”, contou.

O artigo 10 do PL, que trata da rastreabilidade dos dados, foi apontado por Francisco Brito Cruz, do InternetLab, como um risco de exposição de dados muito preocupante. O trecho determina que serviços como o WhatsApp guardem, pelo prazo de três meses, os registros dos envios de mensagens encaminhadas em massa para até mil pessoas. 

“O WhatsApp não tem bola de cristal, por isso terá que registrar todas as mensagens para saber quais vão chegar a mil pessoas. A coleta terá que ser massiva, independentemente de haver um mecanismo na lei de só registrar o que for mais viral”, esclarece Cruz. 

Para ele, rastrear quem financia informações falsas também é um risco, principalmente se estiver atrelado ao conceito de desinformação. Uma solução seria apelar à legislação já existente, além de olhar para empresas que só existem para vender “likes” (curtidas) e disparos em massa.

O deputado Felipe Rigoni informou que haverá dez debates públicos na Câmara antes da votação do PL 2630/2020, como o que aconteceu nesta segunda-feira, 13.jul.2020, em que o presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), abriu a sessão afirmando que parlamentares construirão um texto melhor do que o apresentado por senadores. As sessões serão às segundas, quartas e sextas-feiras, das 9h às 12h, via Portal e-democracia, com transmissão no YouTube da Câmara.

Rigoni disse acreditar que o texto sofrerá modificações. “Não tem a menor possibilidade de a lei continuar do jeito que tá. De fato, tem muitos problemas no texto”, reconheceu. O deputado ponderou que a discussão brasileira sobre desinformação pode se tornar uma referência no mundo, e que o PL pode ser o primeiro passo nessa direção.

Para a advogada Taís Gasparian, que também é do Conselho Consultivo do InternetLab, chegar a um consenso sobre o que é liberdade de expressão deveria vir antes da discussão do PL. “O país nunca teve uma definição sobre o que entende por liberdade de expressão. No Brasil, não sabemos qual é o papel do Estado nas garantias das liberdades de expressão e de imprensa. Queremos um Estado que regule a liberdade de expressão ou que se afaste?”, questionou.

A advogada considera um problema o fato de o Estado, por meio do PL, querer cooptar as plataformas digitais  - ou ameaçá-las impondo sanções - para que elas assumam a vigilância dos cidadãos. “`Pode parecer bom para os deputados, mas pode ser que isso leve a outro problema”, disse.

Cristina Tardáguila defendeu que iniciativas de educação midiática, como a Lupa Educação e o EducaMídia, do Instituto Palavra Aberta, deveriam participar da construção do texto do projeto de lei. “São pessoas que há anos focam no que realmente importa: ensinar o brasileiro a checar sozinho as notícias e saber diferenciá-las", afirmou.

Os participantes do webinar também ressaltaram aspectos bem-vistos do PL, como o substitutivo que regula a atuação do poder público nas redes sociais. Francisco Cruz especificou que a nova versão do texto prevê a transformação dos perfis privados de autoridades em contas de interesse público, impedindo o bloqueio de cidadãos. “É um dos raros pontos positivos”, complementou Taís Gasparian. O webinar pode ser assistido, na íntegra, aqui.
 

Assinatura Abraji