Tim Lopes: o crime, a confirmação de DNA e o legado do jornalista
  • 05.07
  • 2020
  • 06:30
  • Bruna Lima

Liberdade de expressão

Tim Lopes: o crime, a confirmação de DNA e o legado do jornalista

Há exatos 18 anos, no dia 5.jul.2002, um exame de DNA confirmou que o fragmento de costela encontrado em um cemitério clandestino na Favela da Grota, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, era do jornalista Tim Lopes. O material foi encontrado em 12.jun.2002 - dez dias após o crime - junto com a microcâmera que o repórter da Globo carregava consigo, quando foi sequestrado por bandidos na comunidade Vila Cruzeiro.

Na noite de 2.jun.2002, Tim Lopes foi deixado na comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro pelo motorista da Globo. O jornalista estava produzindo mais uma de suas reportagens investigativas, a pauta era a exploração sexual de menores nos bailes funk da Vila Cruzeiro. Naquela mesma noite, ele foi descoberto, sequestrado pelos traficantes do local e levado para a Favela da Grota, no Complexo do Alemão, onde foi torturado e executado. A confirmação da morte só veio uma semana após o assassinato.

Arcanjo Antonino Lopes, o Tim, assumiu muitas vezes disfarces para denunciar o que estava errado. Foi pedreiro e mostrou a dura vida nos canteiros de obras, fingiu ser dependente químico e denunciou irregularidades em clínicas de tratamento. Chegou até a dormir na rua para contar a história de menores abandonados.

“O Tim foi um repórter marcante no Rio. Fez muitas reportagens sem revelar sua verdadeira identidade de repórter e sempre com o objetivo de expor situações de dificuldade”, afirma Marcelo Beraba, ex-presidente e conselheiro da Abraji, na live “Tim Lopes: 18 anos depois”, realizada dia 2 de junho de 2020. “Ele queria ser testemunha ocular da história da periferia abandonada”, completou.

Marcelo Moreira, também ex-presidente da Abraji e que trabalhou com Tim, diz que o jornalista fazia de sua profissão uma forma de denunciar o racismo e a desigualdade social no Brasil. “O Tim fazia com paixão e, quando você faz por uma causa, o trabalho fica diferenciado. Não conheço um jornalista que tenha feito tanto pelos pobres quanto o Tim Lopes fez”, disse Moreira.

No ano anterior à sua morte, Tim fez uma reportagem sobre o tráfico de drogas a céu aberto nas favelas do Rio de Janeiro, tendo a Favela da Grota como tema de uma das matérias. A série intitulada “Feira das Drogas” foi exibida pelo Jornal Nacional em agosto de 2001 e ganhou o Prêmio Esso de Telejornalismo e o Prêmio Líbero Badaró.
 

Apurando o assassinato

As investigações do caso começaram na manhã seguinte da noite do desaparecimento de Tim. De acordo com a série “Caso Tim Lopes”, do Ministério Público do Rio de Janeiro, as denúncias e os depoimentos de moradores ajudaram os investigadores a chegar em Fernando Sátyro, o “Frei”, e Reinaldo Amaral, conhecido como “Kadê”.

Os dois confessaram participar do tráfico de drogas sob o comando de Elias Pereira da Silva, conhecido como “Elias Maluco”, mas alegaram não estar presentes no momento do assassinato. No entanto, os dois deram detalhes sobre o acontecimento e indicaram onde o crime tinha ocorrido.

Logo após os depoimentos de Sátyro e Amaral, foi preso Angelo Ferreira, vulgo “Primo”. Ele confessou ter participado do crime, alegou que “Kadê” e “Frei” também estiveram lá e que “Elias Maluco” foi quem orientou o assassinato. O MP-RJ denunciou nove pessoas, entre elas os quatro traficantes. O mandante do crime, “Elias Maluco”, foi condenado a 28 anos e seis meses de prisão, e o julgamento aconteceu em 25.mai.2005.

Elizeu Felício de Souza (Zeu), Reinaldo Amaral (Kadê), Fernando Sátyro (Frei), Cláudio Orlando do Nascimento (Ratinho) e Claudino dos Santos Coelho (Xuxa) foram sentenciados a 23 anos e seis meses. Angelo Ferreira da Silva (Primo) recebeu a pena de 15 anos por ter sido réu colaborador.

Em novembro de 2019 circulou uma nota de que o Supremo Tribunal Federal havia concedido a soltura de Elias Maluco. A informação era falsa, de acordo com a checagem de fatos feita pela Agência Lupa. O que ocorreu foi que, no mês anterior, a Primeira Turma do STF tinha revogado um habeas corpus (HC)  concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, que anulava uma prisão preventiva contra Elias Maluco. Como o criminoso já cumpria pena por outros quatro casos, incluindo o assassinato do jornalista Tim Lopes, esse HC não resultou em sua soltura.
 

O legado de Tim Lopes

Em 2002, três meses após o assassinato de Tim Lopes, o jornalista Marcelo Beraba convidava, por e-mail, 44 repórteres e editores de diferentes veículos e Estados brasileiros a unirem-se em uma nova associação. Em dezembro daquele ano, cerca de 140 jornalistas decidiram criar a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

“A morte do Tim provocou fortes reações. Entre elas, a fundação da Abraji. Ela nasceu nas redações com o objetivo de melhorar a qualificação profissional, lutar por uma lei de transparência — que não existia —, defender as liberdades de expressão e de imprensa e a integridade dos jornalistas”, relembrou Marcelo Beraba.

Em 2017, nasceu o Programa Tim Lopes como uma uma resposta da Abraji à violência contra jornalistas no Brasil, principalmente no interior. Marcelo Beraba foi o idealizador do programa e Angelina Nunes, ex-presidente e conselheira da Abraji, é a coordenadora do programa.

Há três assassinatos que estão sendo acompanhados pela equipe da Abraji dentro do Programa Tim Lopes. O primeiro caso foi o do radialista Jefferson Pureza, de 39 anos, ocorrido em Edealina, Goiás, em 17.jan.2018, morto com três tiros no rosto, enquanto descansava na varanda de casa. Sua morte foi encomendada por R$ 5 mil e um revólver. Seis pessoas estiveram envolvidas no crime, sendo três adolescentes que cumpriram medidas socioeducativas. Um dos acusados foi condenado a 14 anos de prisão e os outros dois, inclusive o suposto mandante, foram absolvidos. A acusação entrou com recurso pedindo novo julgamento.

O segundo caso foi do radialista Jairo de Souza, de 43 anos, morto na madrugada de 21.jun.2018, com dois tiros no tórax, quando chegava para trabalhar na rádio Pérola FM, em Bragança, no Pará. Sua morte teria custado R$ 30 mil e teria sido organizada por um grupo de 11 pessoas, que estão detidas, inclusive o mandante, um vereador da cidade. Ainda não houve julgamento.

O terceiro caso é o de Léo Veras, jornalista assassinado com 12 tiros, na noite de 12.fev.2020, quando jantava com a família na sala de casa. O crime ocorreu em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia na fronteira com o Brasil. O caso ainda não foi julgado, e as investigações apontam o envolvimento de traficantes do PCC na execução do jornalista. A viúva do jornalista vive sob segurança de escolta armada.

A violência contra jornalistas sempre existiu, mas Marcelo Beraba acredita que o atual período é o pior para a imprensa desde a redemocratização do país. “Além da epidemia e da crise econômica, temos que resistir a um governo insensível às mortes provocadas pela covid-19, determinado a desacreditar a imprensa, a se livrar dos jornalistas e a debilitar as instituições democráticas. A memória do repórter Tim Lopes deve nos inspirar e fortalecer”, concluiu o conselheiro da Abraji.

Foto de capa: Acervo O Globo

Assinatura Abraji