“Quando somos atacados, a democracia também é atacada”: Abraji discute violência contra jornalistas em lançamento de dados inéditos
  • 31.03
  • 2023
  • 17:00
  • Abraji

Formação

Liberdade de expressão

“Quando somos atacados, a democracia também é atacada”: Abraji discute violência contra jornalistas em lançamento de dados inéditos

Foto: Evento de lançamento do relatório.

A imprensa livre é um pilar da democracia. Essa foi a premissa que guiou a discussão durante o lançamento do relatório anual do Monitoramento da Violência contra Jornalistas, realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O evento foi realizado em parceria com o curso de Jornalismo da PUC São Paulo e ocorreu no dia 29.mar.2023, no Campus Monte Alegre da universidade. O debate expôs o quadro grave de agressões a comunicadores(as) no Brasil: em 2022, foram registrados 557 ataques, 23% a mais do que no ano anterior. Desses casos, 31,2% envolveram violência física, intimidação e ameaças. Nesse recorte, o crescimento foi de mais de 100%.

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O debate, guiado pela gerente de comunicação da Abraji, Tatiana Farah, destacou os principais dados trazidos pela publicação. Na abertura da mesa, Farah relembrou a morte do jornalista britânico Dom Phillips e do comunicador cearense Genivaldo Oliveira, os dois casos mais graves de um ano marcado por uma espiral de violência contra trabalhadores da imprensa. Do período eleitoral aos atos antidemocráticos contrários ao resultado da corrida presidencial, que tiveram seu ápice nas invasões de 8.jan.2023, foram reportados mais de cem episódios de agressão

Entre os convidados do lançamento, estavam a jornalista da CNN, Basília Rodrigues; a coordenadora de incidência da Repórteres Sem Fronteiras na América Latina, Bia Barbosa; a chefe do Gabinete da Secretaria Nacional de Justiça, Zara Carvalho; o professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP, Fabio Cypriano; e a presidente da Abraji, Katia Brembatti. Durante a conversa, os profissionais expuseram suas experiências com o tema e comentaram a conjuntura política e social do país.

“Eu não fico no lugar que o racismo quer, eu fico no lugar em que eu quero estar. E isso incomoda [os agressores]”, disse Basília Rodrigues para escancarar a violência racista e misógina sofrida por ela e outras jornalistas no dia a dia da profissão. "Jornalismo é técnica, mas é também resistência", afirmou Farah, na abertura do evento, ao apresentar dados da violência, como o crescimento de 328% no número de ataques desde o início do monitoramento sistemático da Abraji, em 2019. 

“Há uma compreensão de parte da sociedade de que somos inimigos, de que é aceitável atacar jornalistas. Nenhum profissional, em nenhuma circunstância, pode ser vítima de um crime”, defendeu Katia Brembatti, mencionando episódios emblemáticos de profissionais da imprensa, em especial mulheres, que foram alvos de ataques no último ano. Situações como a de Renata Cafardo, intimidada e agredida fisicamente durante a cobertura da recente tragédia ambiental no litoral norte de São Paulo, e de Vera Magalhães, que vive sob constante ataque de seguidores do governo, tanto do atual como do anterior. Em um debate na TV, Bolsonaro chegou a chamá-la de "vergonha do jornalismo".

O caso de Magalhães é exemplo de outra tendência revelada no relatório: em 56,7% dos alertas, os agressores foram agentes estatais, como políticos e/ou funcionários públicos. Bolsonaro e sua família estiveram envolvidos em 41,6% dos ataques totais. A questão de gênero também fez parte do debate: do total de casos registrados em 2022, 145 apresentaram traços explícitos de violência de gênero e/ou vitimaram mulheres jornalistas. Entre os alertas gerais, os discursos estigmatizantes foram o tipo de agressão mais comum (61,2%).

“O discurso estigmatizante das autoridades influencia a banalização das agressões contra jornalistas”, afirma Bia Barbosa. A coordenadora de incidência da RSF explica que 2022 foi o ano mais violento para trabalhadores da imprensa na América Latina, com um recorde de jornalistas assassinados, especialmente em países como o México. “Precisamos agir agora para que a gente não chegue nesse lugar [de muitas mortes]. A tendência é que a gente chegue lá”, completa.

Para Zara Carvalho, o poder público tem plena responsabilidade diante da situação: “Não tem como falar sobre a violência que jornalistas e comunicadores sofrem sem falar sobre como isso foi potencializado pelas instituições e poderes nos últimos anos”. Cypriano concorda com essa perspectiva: “As dificuldades dos últimos anos são decorrência de uma política de Estado, o que é mais grave ainda. Estamos vivendo um atentado à democracia”. E Zara fez uma ponderação. Para ela, as instituições não teriam garantido a permanência da democracia no governo Bolsonaro sem a participação ativa da imprensa e do jornalismo.

Questões como a polarização, impunidade e a própria participação de agentes políticos nos ataques agravam o quadro. “Sempre falo que tem que denunciar [as agressões], mas eu sei na pele que não está dando solução. Hoje eu me sinto desestimulada a prestar ocorrência”, desabafa Basília Rodrigues, aludindo a todos os episódios em que foi agredida e não recebeu a ajuda necessária por parte das autoridades.

Outro ponto discutido durante o evento foi a atuação do Observatório da Violência Contra Jornalistas e Comunicadores. Criada em 2023 pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, a iniciativa visa ser uma ponte entre a imprensa brasileira e os órgãos públicos, ajudando a formar políticas públicas que efetivamente barrem a violência contra jornalistas. O Observatório conta com a participação de uma coalizão de organizações que lutam pela liberdade de imprensa. A Abraji faz parte desse grupo, ao lado da Ajor (Associação de Jornalismo Digital), Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), Fenaj, Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Repórteres Sem Fronteiras e Tornavoz.

O evento teve apoio da Embaixada Britânica, representada pela vice-chefe de Comunicação, Adriana Masetti, da rede Voces del Sur e da organização internacional Padf, que também financiou a produção do relatório. A íntegra do encontro está disponível no YouTube da Abraji.

Assinatura Abraji