PL das fake news pode gerar autocensura
  • 01.07
  • 2020
  • 16:00
  • Abraji

Liberdade de expressão

PL das fake news pode gerar autocensura

Com 44 votos favoráveis, 32 contrários e duas abstenções, o Senado aprovou, em 30.jun.2020, o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News. Por pressão de entidades da sociedade civil, de parlamentares e do Palácio do Planalto, os pontos mais controversos da iniciativa caíram total ou parcialmente. Apesar das mudanças, especialistas ouvidos pela Abraji manifestaram preocupação com outros dispositivos mantidos que podem abrir caminho para a autocensura.

A votação no Senado, que já tinha sido adiada três vezes, foi realizada apesar de todos os alertas das entidades que defendem direitos na internet, liberdade de expressão e de imprensa. A Abraji assinou manifestos coletivos pedindo adiamento da votação. O texto original previa a coleta massiva de dados pessoais, pondo em risco a privacidade e segurança de milhões de cidadãos e, segundo Marcelo Träsel, presidente da Abraji, “sofria do mesmo defeito fundamental de outros projetos que pretendem resolver o problema da desinformação através de leis: arriscar as liberdades de expressão e de imprensa para obter resultados, na melhor das hipóteses, duvidosos”.

As entidades argumentaram que a proposta do relator Angelo Coronel (PSD-BA) não foi discutida em comissões do Congresso, em um momento de crise política e no qual a sociedade enfrenta uma pandemia.

A nova versão do texto-base que passou pelo Senado vai para a Câmara, onde também será discutida e aprovada. A necessidade de identificação para abrir e manter contas nas redes sociais, as definições de desinformação e a obrigação de análise de conteúdos por parte das plataformas foram retiradas. Foi mantida a exigência de conta no celular para acessar WhatsApp e Telegram. O relatório também excluiu a criação de dispositivos penais que abriam espaço para criminalizar os usuários de redes sociais e outros serviços.

Aprovado em sessão virtual, uma vez que as atividades presenciais do Senado estão suspensas por questões sanitárias, o texto continua com problemas, de acordo com nota da Coalizão de Direitos na Rede. “Apesar de suprimidos, os mecanismos de rastreabilidade e identificação massiva ainda podem violar a Lei Geral de Proteção de Dados”, aponta a organização.

Cristina Tardáguila, diretora-adjunta da Rede Internacional de Checagem de Notícias (IFCN, na sigla em inglês), afirma que a organização é “contra qualquer tipo de legislação que tente definir o que são notícias falsas”. Devido a leis semelhantes que prometem vigiar e punir conteúdos mentirosos, a IFCN vem acompanhando jornalistas que se autocensuram na Tailândia, prisões de inocentes por disseminar desinformação na Indonésia e cortes do acesso à internet, frequentes na Índia e no Irã.

Para Taís Gasparian, advogada especialista em mídia, publicidade e internet, “a única forma de melhorar o PL é desistindo de aprová-lo”. O texto reitera muitas vezes sua preocupação com a garantia da liberdade de expressão e acesso à informação, mas seus dispositivos caracterizam rastreamento e armazenamento de dados em massa. “Embora o objetivo seja nobre, é pura retórica”, afirma.

Bia Barbosa, parte do conselho diretor da Intervozes, alerta que há a possibilidade de certos parágrafos do artigo 12 limitarem a liberdade de expressão. Os trechos prevêem que as redes sociais poderão tirar conteúdo social do ar em caso de “confusão com a realidade” e de indução “a erro acerca da identidade de candidato a cargo público”.

“Nada disso aparece no direito penal brasileiro”, aponta Barbosa. “Autocensura é algo muito específico do jornalista. Há um risco de as pessoas se coibirem de falar algo”, continua. O sétimo artigo do PL das fake news ainda manteve a necessidade de identificação com documentos, no caso contas denunciadas por outros usuários. “Como apurar isso? Pode ocorrer a perseguição de repórteres ou ativistas”, alerta.

“Hoje, para que um checador saiba o que está viralizando em plataformas criptografadas, é indispensável que os usuários desses aplicativos encaminhem os materiais dos quais suspeitam”, diz Cristina Tardáguila. Sobre essa proposta específica, ela avalia que as pessoas podem desistir de enviar mensagens, com medo de serem tachadas como desinformadoras, assim atrapalhando o trabalho das agências de checagem.

O PL 2630/2020 institui a criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, composto por 21 membros. Inicialmente, o presidente do Congresso Nacional iria decidir como esse órgão seria composto. Depois de reclamações de entidades representativas ao relator Angelo Coronel, decidiu-se que os conselheiros serão indicados por empresas de comunicação, universidades e sociedade civil.

O Congresso continua com a prerrogativa de aprovar um código de conduta para redes sociais e serviços de mensagem privada com status de norma. Esse documento deverá ser adotado e aprovado pelo conselho. “O que é preocupante, já que o conselho deveria ser um órgão autônomo, de preferência de Estado”, defende Bia Barbosa.

Em seu artigo 26º, o texto aprovado veta que os conselheiros sejam pessoas vinculadas ou filiadas a partido político. Esse trecho é inconstitucional, porque viola a liberdade de associação para fins lícitos, segundo Barbosa. “Por exemplo, as universidades indicam seu melhor nome, mas ele não pode assumir, já que é filiado a um partido”.

“É muito curioso que ao se instituir esse 'ministério da verdade' não esteja prevista a participação de nenhum checador”, argumenta Cristina Tardáguila. “Ou seja, ignora-se todo o conhecimento que os checadores de fatos têm e vêm acumulando há no mínimo sete anos, desde quando se faz checagem profissional no Brasil”, completa. 

Já Taís Gasparian destaca as dificuldades enfrentadas para se alterar o projeto proposto pelo senador Angelo Coronel. “Se já foi tão difícil com poucos senadores, dificilmente vai melhorar. São centenas a mais de deputados”, pontua. A advogada argumenta que o Marco Civil da Internet é suficiente para regular as redes: “A legislação ´poderia ser mais célere, mas o PL não prevê nada disso”.

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Assinatura Abraji