Pela primeira vez, CIDH escuta a sociedade civil sobre o assédio judicial contra jornalistas
  • 18.07
  • 2023
  • 09:30
  • Abraji

Liberdade de expressão

Pela primeira vez, CIDH escuta a sociedade civil sobre o assédio judicial contra jornalistas

Diante do crescente assédio judicial contra comunicadores e jornalistas na América Latina, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Relatoria Especial sobre Liberdade de Expressão (RELE) decidiram formar um grupo para monitorar essa prática na região. O anúncio foi feito durante audiência desses órgãos da Organização dos Estados Americanos (OEA) com organizações de defesa do jornalismo e da liberdade de imprensa, no dia 12.jul.2023. A Abraji foi uma das organizações participantes do evento.

Esta foi a primeira vez que CIDH e RELE ouviram formalmente as organizações sobre os casos de assédio judicial em seus países. O encontro foi solicitado pelo conjunto de organizações que destacou a falta do posicionamento da CIDH e da RELE sobre o tema, em especial trazendo parâmetros e protocolos para compreender e combater essa forma de assédio. 

O jornalista João Paulo Cuenca esteve presente relatando o episódio de assédio judicial que sofreu orquestrado pela Igreja Universal do Reino de Deus, que distribuiu 144 ações judiciais nos Juizados Especiais Cíveis mais longínquos do país. Cuenca destacou que, por mais que ele saia vitorioso de todas as ações, o dano já está feito, e acredita em uma regulamentação que identifique e puna esse tipo de acosso. 

A Abraji compartilhou casos emblemáticos e análises sobre a questão no Brasil, contribuindo para a definição do assédio judicial ou SLAPPs (ações de litigância estratégica contra participação pública, na sigla em inglês), como ficou conhecido internacionalmente, na realidade da América Latina. Destacou que, para silenciar temas de interesse público, os agressores usam diferentes formas de poder, seja político, econômico, jurídico ou associativo, e assim desequilibram a ação e dificultam a defesa das pessoas vítimas. 

Confira o comunicado oficial e os pedidos feitos à CIDH. O documento oficial em português do encontro pode ser visto neste link.

Organizações e jornalistas apresentam depoimentos, informações e recomendações à CIDH sobre a judicialização de questões de interesse público na região

Ontem, durante o 187º período de sessões da CIDH, organizações e jornalistas de países latino-americanos anunciaram a formação de um grupo regional contra o assédio judicial ou AntiSLAPPs, que monitorará a situação na região e solicitará à RELE e aos Comissários que se unam para desenhar uma estratégia integrada e coordenada em prol da liberdade de expressão.

Durante a audiência, Rodolfo Ruiz, jornalista mexicano e diretor da E-consulta, falou sobre os processos criminais aos quais foi submetido por cobrir questões de interesse público, que somam 22 processos civis de autoridades e mais de 2 milhões dedólares. O caso de Rodolfo é particularmente preocupante pelas tendências regionais de censura daqueles que procuram cobrir ou publicar questões de corrupção, uma vez que constantemente estão sujeitos a processos judiciais longos e custosos, que muitas vezes andam de mãos dadas com ameaças e campanhas de difamação.

Catalina Ruiz Navarro, jornalista colombiana e diretora da Revista Feminista Volcánicas, descreveu sua experiência de ser processada depois que ela e outra colega jornalista, Matilde de los Milagros, publicaram uma investigação jornalística sobre alegações de assédio e abuso sexual na revista. Ciro Guerra processou as jornalistas por todos os meios, civil, administrativo e até criminais.

Por sua vez, em 2020, após publicar um tuíte alusivo aos vínculos do governo Bolsonaro com a Igreja Universal do Reino de Deus, o jornalista e escritor brasileiro João Paulo Cuenca narrou a experiência de ter sido demitido e depois processado criminalmente em várias cidades do Brasil. Depois de o Ministério Público Federal negar as investigações, a Igreja Universal moveu 144 ações civis contra ele por calúnia e difamação em uma ação orquestrada por meio de seus pastores, solicitando uma indenização total de aproximadamente R$ 2,5 milhões. Até o momento, Cuenca não conseguiu voltar a trabalhar na imprensa.

Juan Luis Font, jornalista guatemalteco, está exilado desde 2022, como resultado dos processos judiciais que o governo iniciou contra ele, inclusive quiseram instaurar um processo criminal contra ele por suposta lavagem de dinheiro. O caso de Juan Luis reflete como o Judiciário é usado como mecanismo de censura.
Paola Ugaz, jornalista peruana, diretora da Nativa TV e correspondente no Peru da ABC, está sendo processada há 5 anos. Ela é acusada de crimes contra a honra por sua investigação sobre o Sodalicio de Vida Cristiana, uma organização religiosa que cometeu abuso sexual e outros tipos de abuso contra jovens. A jornalista descobriu os abusos junto com o colega Pedro Salinas no livro “Meio monges, meio soldados”. Ugaz tem cinco processos e agora também é acusada de lavagem de dinheiro e contrabando de mercúrio.

Os cinco depoimentos apresentados durante a audiência mostram, como disse Paulina Guiterréz, da ARTIGO 19, que as demandas de SLAPPs estão em ascensão e constituem uma séria ameaça à liberdade de expressão na região, pois há um desequilíbrio de poder entre as partes, onde o poder político e econômico é usado contra jornalistas, defensores de direitos humanos e cidadãos comuns que expressam suas opiniões sobre questões de interesse público.

Empresários, sociedades de advogados que representam personalidades políticas ou públicas, bem como funcionários e instituições privadas aproveitam-se do desequilíbrio de poder e abusam do direito de recorrer aos tribunais para intimidar e silenciar através de processos judiciais morosos e dispendiosos. As vítimas desses processos têm pouca ou nenhuma capacidade de defesa. Quando os tribunais conhecem o mérito do caso, a decisão chega tarde demais. Os efeitos de intimidação e silenciamento valeram a pena.

Ana Bejarano, diretora da organização colombiana El Veinte, enfatizou os riscos do SLAPPs, já que na América Latina os membros da advocacia têm habilitado mecanismos de silenciamento e pressão contra a livre circulação de informações de interesse público. Os mesmos juízes, como a Corte Constitucional colombiana, chamaram a atenção para o nome "assédio judical", com o qual traduzimos o fenômeno batizado nos Estados Unidos. Não é bem o juiz que incorre no assédio, mas os litigantes que endossam e promovem práticas desleais.

Devido à gravidade do caso, organizações e jornalistas solicitaram à CIDH e à Relatoria Especial Liberdade de Expressão (RELE):

  • Reconhecer o perigo das SLAPPs na região e adotar medidas para fazer frente a esse problema, pois ambas as instâncias têm o dever de responder a esse assunto e oferencer orientação clara sobre medidas, legais ou não, necessárias a proteger a liberdade de expressão. 
  • À RELE que elabore um relatório temático que explique a dimensão e impacto do fenômeno à luz da Convenção Americana e do contexto jurídico e político da região. Isso permitiria avaliar que tipo de medidas seriam apropriadas dentro do marco legal existente nos países da região e compatíveis com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, especialmente sob o ponto de vista do devido processo legal, da proteção judicial e da proteção da liberdade de expressão.
  • À CIDH e à RELE que criem um grupo de especialistas que possam informar sobre o desenvolvimento de propostas de normas regionais a partir de uma análise jurídica, prática e de impacto na denúncia e debate sobre assuntos de interesse público. Este grupo contará com a participação de magistrados, desembargadores, pessoas afetadas pelo assédio judicial, organizações da sociedade civil peticionárias da audiência, comunidade jurídica praticante, incluindo especialistas em direito civil, penal, processual e administrativo.
Assinatura Abraji