• 04.05
  • 2010
  • 10:55
  • Folha de S. Paulo

Pedra fundamental da democracia

VINCENT DEFOURNY e GUILHERME CANELA*

HÁ 244 ANOS , a Suécia apresentava ao mundo o primeiro marco legal de
garantia de um direito a ter acesso às informações produzidas pelo Estado.
Uma revolução! O caráter inovador sueco foi mais além: o direito à
informação estava inserido, já naquela época, em uma regulamentação que
também tratava da liberdade de expressão e de imprensa, em um reconhecimento
claro da interdependência desses conceitos.

Quase dois séculos depois, em 1948, as Nações Unidas reconheciam o direito à
informação no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Toda
pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a
liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e
transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras".

Desde então, dezenas de países começaram a criar as regras do jogo para
garantia, proteção e promoção do direito à informação. Hoje, são cerca de 80
nações que estabelecem que seus cidadãos e cidadãs detêm o direito de ter
acesso às informações produzidas pelo Estado.
Vale lembrar que, não raro, há grande distância entre a garantia formal do
direito e sua execução cotidiana.

O Brasil decidiu incluir o direito à informação entre as garantias
fundamentais previstas na Constituição: "Todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado".

A despeito da central decisão da Assembleia Constituinte, foi apenas no ano
passado que o Poder Executivo enviou ao Congresso projeto de lei geral
regulamentando o tema. A proposta de uma lei geral de acesso à informação
(projeto de lei nº 5.228/2009) foi recentemente aprovada pela Câmara e
aguarda apreciação pelo Senado Federal.

Sua sanção pelo presidente e sua efetiva implementação representarão avanço
de grandes proporções para a democracia brasileira. A informação, entendida
como um bem público, e o acesso a ela como um direito humano inalienável e
universal estão, portanto, no centro de debates fundamentais que acompanham
a própria consolidação das democracias. O direito à informação é componente
fundamental de uma série de reflexões-chave para a boa governança
democrática.

Entre essas relevantes reflexões estão mecanismos para garantir a
responsabilidade dos governos; ferramentas, procedimentos e modelos para
elevar a qualidade da gestão pública; regimes que contribuem para o aumento
da transparência no exercício das atividades estatais e para a diminuição da
corrupção.

Outros mecanismos são as estruturas de garantia e promoção dos direitos
humanos, com especial atenção para o chamado direito à verdade, e elementos
institucionais que conduzam a um desenvolvimento econômico, social e humano
mais pujante, célere e diversificado. Nesse sentido, muitos são os atores
que se beneficiam de um adequado sistema de garantia de acesso à informação:
cidadãos e cidadãs, jornalistas, pesquisadores, servidores públicos, dentre
outros.

O tema é especialmente relevante para os jornalistas, dado o seu
significativo papel na vigilância saudável dos poderes públicos e no
aprofundamento do debate público acerca das ações desenvolvidas pelos
governos.

Como recorda a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, em sua mensagem por
ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em todo o mundo
hoje, "é possível que nós não exerçamos, de maneira consciente, o nosso
direito à informação.

Mas, cada vez que lemos um jornal, ligamos a TV ou o rádio para ver ou ouvir
o noticiário, ou acessamos a internet, a qualidade daquilo que vemos ou
ouvimos depende do acesso que esses meios tiveram a informações atualizadas,
críveis e precisas".

A Unesco no Brasil entende que temos muito a celebrar com o avanço da
tramitação do projeto de lei de acesso à informação no Congresso. Esperamos
que a lei saia do papel e tenha aplicação adequada, pois, sem dúvida, é peça
fundamental para o aprofundamento da democracia brasileira. Para isso, a
Unesco oferece à sociedade seu conhecimento na área e sua cooperação
internacional.

* VINCENT DEFOURNY, 50, doutor em comunicação, é representante da Unesco no
Brasil.

GUILHERME CANELA, 30, cientista político, é coordenador de comunicação e
informação da Unesco no Brasil.

Assinatura Abraji