OEA manifesta preocupação com ameaças e estigmatização a jornalistas no Brasil
  • 06.03
  • 2020
  • 12:30
  • Juliana Fonteles e Mayara Paixão

Liberdade de expressão

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OEA manifesta preocupação com ameaças e estigmatização a jornalistas no Brasil

Foto: Joel Hernández, presidente de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (Divulgação: CIDH)

Na manhã desta sexta-feira (06.mar.2020), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), abriu espaço para ouvir relatos sobre violações às liberdades de expressão e de imprensa no Brasil, acentuadas no último ano. Organizações da sociedade civil, entre elas a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), estiveram em Porto Príncipe, capital haitiana, para participar de audiência no âmbito do 175º Período Ordinário de Sessões.

A delegação brasileira apresentou relatos e números sobre o estado da liberdade de expressão no Brasil. Levantamento da Abraji, por exemplo, registrou mais de 150 casos de violações contra jornalistas no ano de 2018. Já levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) mostra que, somente o Presidente da República, Jair Bolsonaro, produziu em média dez ataques por mês contra comunicadores e veículos de imprensa no último ano.

Representantes das organizações brasileiras pediram que o tema da liberdade de expressão no Brasil seja tratado como prioritário pela CIDH. Solicitaram também uma visita oficial conjunta ao Brasil dos relatores especiais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre liberdade de expressão, respectivamente, Edison Lanza e David Kaye. 

Presidente da audiência, o Comissário Joel Hernández García lembrou que a audiência foi outorgada pela OEA dada a preocupação do próprio órgão com as constantes ameaças e a estigmatização do trabalho de jornalistas no Brasil.
 

O que disse o governo

O governo brasileiro também participou da audiência, representado por Daniel Leão, do Ministério das Relações Exteriores; Alexandre Magno, secretário-adjunto de Políticas Globais do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e Giselle Pinheiro Arcoverde, do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. O consultor jurídico da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Francisco Lima, também falou à comissão.

Eles declararam que o governo está atento às normativas nacionais e internacionais e citaram o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. Mencionaram a cartilha sobre proteção a jornalistas, relançada no dia 03.mar.2020. O manual aponta as obrigações do governo federal sobre prevenção, proteção e acesso à Justiça nos casos de violência contra profissionais de comunicação, mas contradiz atitudes do próprio governo.

O relator especial sobre liberdade de expressão da CIDH, Edison Lanza, afirmou que medidas como a cartilha só serão efetivas se acompanhadas de uma política de prevenção. “Não há políticas de proteção efetivas se, de forma sistemática, a imprensa é atacada e assediada. Isso expõe jornalistas e veículos de imprensa à violência”, afirmou.

A audiência conteceu em Porto Príncipe, Haiti, em 06.mar.2020.

O representante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Alexandre Magno Moreira, afirmou que "em relação às falas do presidente, queremos lembrar que no Brasil não existe censura”.

Denise Dora, diretora executiva da Artigo 19, pontuou que as falas oficiais do governo na audiência e os recentes acontecimentos no Brasil são contraditórios. “Há uma fundada desconfiança da capacidade do governo de proteger jornalistas e comunicadores quando ele próprio é o agente que os ataca”, disse.


Casos mencionados

Entre os casos levados à audiência para conhecimento da OEA estiveram os de Glenn Greenwald (The Intercept Brasil), Patrícia Campos Mello (Folha de S. Paulo) e Vera Magalhães (TV Cultura e Estado de S. Paulo).

A comissão brasileira também incluiu Helena Bertho, diretora de redação da revista AzMina. Em set.2019, repórteres do veículo foram alvo de assédio e linchamento virtual após publicarem reportagem sobre os procedimentos para a realização de aborto legal no Brasil e no mundo. Na época, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, denunciou judicialmente a revista por praticar “apologia ao crime”.

Durante sua exposição, Bertho lembrou os ataques contra jornalistas mulheres que se agravam em razão do caráter machista e misógino.

“O simples fato de um ministério agir dessa forma mostra que o que está em jogo no Brasil é uma ameaça velada à mídia que divulga informações sobre ideias contrárias às defendidas pelo governo federal”, afirmou.

Além da violência contra comunicadores, a audiência sobre liberdade de expressão abordou recentes violações à liberdade artística e cultural e às políticas de transparência.

Além da audiência de 06.mar.2020, a Abraji e demais organizações tiveram encontros com representantes da OEA. 

“Foi importante perceber a preocupação de Edison Lanza, relator especial para a liberdade de expressão, e do secretário geral da OEA, Luis Almagro, com o cenário de enxovalho e hostilidade em relação à imprensa brasileira. Ambos reforçaram que o Estado precisa se comprometer com a proteção da liberdade de expressão e demais direitos humanos no Brasil”, afirmou Juliana Fonteles, assistente jurídica da Abraji enviada para a audiência.

Representando as organizações brasileiras, além de Fonteles, estiveram presentes Emmanuel Colombié (Repórter Sem Fronteiras), Renata Mielli (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e Barão de Itararé), Olívia Bandeira (Intervozes), Helena Bertho (AzMina), Denise Dora (Artigo 19), e Émerson Maranhão (produtor audiovisual).

Assista à íntegra da audiência aqui.

Assinatura Abraji