O libertador de dados: como e por que um programador se dedica a abrir dados públicos enclausurados em formatos ruins
  • 21.02
  • 2018
  • 11:47
  • Rafael Oliveira

Acesso à Informação

O libertador de dados: como e por que um programador se dedica a abrir dados públicos enclausurados em formatos ruins

Formatos acessíveis e padronizados. Dados indexados e sistematizados. É mais ou menos assim o “mundo ideal” do acesso à informação pública de Álvaro Justen, ativista e colaborador de projetos de software livre desde 2004. Como esse cenário perfeito está longe de se tornar realidade, ele vem dedicando seu trabalho a “libertar” os dados disponibilizados pelos órgãos públicos.

“A informação só é transparente quando, além de disponível, está acessível", diz Turicas — apelido pelo qual Justen é conhecido. Hoje com 30 anos, começou a programar aos 14, e desde 2016 é uma das cabeças por trás da Escola de Dados, rede global que auxilia jornalistas, organizações e cidadãos a usar os dados de forma mais eficiente. No trabalho conjunto com repórteres, ele promove “libertações” que geram pautas.

Um exemplo são os salários dos magistrados brasileiros. Em agosto do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça decidiu padronizar os dados disponíveis nos Tribunais de Justiça do país, que eram publicados de formas distintas entre si. A disponibilização do CNJ, porém, está cheia de restrições. O programador, usando da linguagem python, extraiu os contracheques de todos os magistrados e exportou para um arquivo em formato CSV, tornando filtros e comparações possíveis.

Mais recentemente, Turicas abriu os dados de sócios de todas as empresas do Brasil, que são disponibilizados pela Receita Federal em formato que ele chama de “ingrato”. Com a transformação das informações para um arquivo CSV, é possível cruzar dados e buscar políticos e outras figuras públicas entre os sócios das empresas do país. Na mesma semana, o programador abriu as informações sobre os valores das mensalidades e das notas de corte dos cursos do Prouni em todo o Brasil, possibilitando uma variada gama de análises.

“Com a Lei de Acesso à Informação [sancionada em 2012], já era para os dados estarem disponíveis em formatos melhores", avalia Turicas. Enquanto a caminhada rumo à abertura de dados é "mais lenta do que a esperada", ele prepara a retomada de um projeto antigo: o Brasil.IO. Depois de algum tempo se dedicando às “libertações”, o objetivo de Turicas é reunir tudo o que ele e outros colegas programadores já fizeram para tornar dados mais acessíveis, e reuni-los em um só lugar. Ele pretende colocar o projeto no ar já no próximo mês, em uma primeira versão, que será uma listagem dos dados já abertos e em formatos adequados.

Nos próximos meses, o desenvolvedor pretende ir além, possibilitando a utilização de filtros e o cruzamento das informações de diferentes bases de dados. Tudo isso com uma interface simples de usar e acessível mesmo para quem não entende de programação. “Estou em contato com uma empresa que se dispôs a patrocinar o projeto, pagando horas de programadores, em troca de publicidade. Com uma equipe trabalhando no desenvolvimento do site, eu pretendo gastar o tempo em contato com as demandas dos jornalistas”, explica.

Turicas expressa pouca esperança de que um dia o “mundo ideal” do acesso a informações venha a existir. Mas pretende continuar usando o “privilégio de conhecer programação para ampliar o acesso”.

Foto: Alice Vergueiro/Abraji

Assinatura Abraji