Jornalistas relatam dificuldades no uso da LAI
  • 21.01
  • 2021
  • 12:01
  • Pedro Teixeira

Acesso à Informação

Jornalistas relatam dificuldades no uso da LAI

Embora cada vez mais jornalistas usem a LAI (Lei de Acesso à Informação) para produzir reportagens investigativas, alguns esbarram em dificuldades para receber respostas dos órgãos públicos. Mesmo quando o acesso é declarado “concedido”, o retorno pode ser a transferência da solicitação a outro órgão ou um ofício comunicando o porquê do “não-atendimento”.

Com a pandemia de covid-19, essa situação se agravou: seja em um panorama geral, como a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji, mostrou em artigo de 2020 para a Abraji, ou quando o Departamento de Logística em Saúde, vinculado à pasta de mesmo nome, passou sete meses emitindo respostas protocolares.

Instituições declaram, por exemplo, ter concedido acesso à informação quando, na verdade, retornaram a solicitação com um ofício justificando a não resposta, como relatou o repórter Leandro Prazeres, setorista de O Globo no Palácio do Planalto. Ou apenas encaminharam a requisição a outro órgão, segundo o relato de Juliana Castro, da Veja.

De 77 pedidos classificados como "Acesso concedido" entre mar.2020 e abr.2020 no Fala.br (plataforma de transparência do governo federal), 63% eram negativas de atendimento, segundo o levantamento “Alterações no atendimento a pedidos de informação e a MP 928” - medida provisória que perdeu eficácia em jul.2020 e suspendeu os prazos de resposta para pedidos de informação enquanto durasse a pandemia.

Para a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji, uma das maiores especialistas em LAI do país, a proporção de discrepância é considerável, gerando dúvidas sobre os dados a respeito de atendimento a solicitações divulgados pelo governo federal. “Um levantamento em que tenho trabalhado sobre pedidos de informação a respeito de vetos presidenciais mostra casos com datas de 2015”, conta.

O problema é comum desde a implementação do e-SIC, em 2012, e permanece agora com o Fala.br, de acordo com Atoji. “Tem a ver com a característica do próprio sistema: a classificação das respostas é feita pelo servidor que insere as informações - e nem sempre é coerente com a resposta em si. Também não parece haver fiscalização muito detalhada sobre essa ação por parte da CGU ou dos responsáveis pela implementação da LAI em cada órgão”, explica.

Dentre o total de pedidos de informação computados na Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação (Fala.br), 63% foram concedidos em 2020 ante 77% no ano anterior. A queda foi tanto absoluta quanto relativa e não leva em conta a distorção apontada por Prazeres e reforçada por Atoji. A especialista afirma que a Controladoria Geral da União (CGU) precisa pensar em formas de reduzi-la, já que a precisão de dados é fundamental para aperfeiçoar políticas públicas.

Ano passado, a Abraji também mostrou como o Departamento de Inteligência em Saúde do Ministério da Saúde negou mais de 50 solicitações de informação com a mesma resposta protocolar.

A gerente de projetos da Transparência Brasil aponta, ainda, a necessidade de justificativas sólidas e detalhadas a qualquer negativa de acesso a informações ou de atendimento a pedidos.

“Ou seja: se o motivo da negativa é a pandemia, a resposta tem que indicar os impactos que a situação tem sobre a capacidade do órgão de fornecer a resposta ou de prepará-la. Ou de que forma o trabalho à distância impede o fornecimento da resposta (a informação só pode ser acessada presencialmente, por exemplo). A salvaguarda de dados só é admissível nas hipóteses determinadas pela própria LAI ou pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), e com fundamentação clara e mais objetiva possível.”

O Superintendente de Integridade e Controle Social na Controladoria Geral do Estado de Minas Gerais, Thomaz Barbosa, alerta sobre erros comuns cometidos por quem faz uma uma solicitação:

“Perguntas abrangentes demais são as que deixam mais espaço para o órgão público não responder. Seja temporalmente, como um período muito longo: "me dê todos os dados de algum determinado lugar desde 1900". Isso complica a capacidade de resposta do órgão porque os sistemas de informação não têm esses dados todos agrupados da forma como a pessoa quer. Questões com diversos itens também dificultam o trabalho de quem recebe o pedido. É melhor fazer diversas requisições de acesso à informação com poucos tópicos ao invés de aglutinar diversas indagações em um mesmo pedido de acesso à informação. Porque, às vezes, cada pergunta é respondida por uma diretoria específica. E isso aumenta o fluxo, o prazo e até o desafio de coordenar essas respostas.”

Barbosa também recomenda evitar perguntas muito aprofundadas sobre um certo tema: 

“Pedidos assim chegam ao órgão, e o servidor pensa: ‘a pessoa quer que eu faça todo o trabalho por ela.’ É preciso demonstrar na questão que tem domínio sobre o tema, que a solicitação está endereçada a reais demandas e necessidades, de uma forma muito objetiva e prática. Além de facilitar as respostas, fundamenta um possível recurso, se necessário.”


Exemplos do que é possível fazer com a LAI

Ainda que as dificuldades apontadas existam, 2020 foi marcado por reportagens de impacto que usaram pedidos de informação como fonte.

Detalhes sobre a importação de cloroquina pelo exército, contratação de professores para escolas militares que ainda não existem, e a proibição de acessar o cartão de vacinação do presidente Bolsonaro vieram à tona via LAI.

Luís Fernando Toledo, diretor da Abraji e vice-presidente da Fiquem Sabendo, agência especializada em Lei de Acesso à Informação, usou o dispositivo para revelar o motivo pelo qual o Exército Brasileiro comprou um lote de cloroquina (medicamento antimalárico que ficou conhecido por efeitos clínicos, comprovadamente falsos, no tratamento de covid-19): "produzir esperança a milhões de corações aflitos".

“Depois de algum tempo de insistência, o Exército liberou acesso às respostas que deu ao TCU [Tribunal de Contas da União] na investigação sobre suposto superfaturamento na compra de cloroquina”, contou em sua conta no Twitter.

O documento mostra as alegações dos militares para comprar cloroquina por um preço 167% superior ao valor de mercado. “Há toda uma construção no documento para desacreditar a imprensa e dizer que nós jornalistas somos leigos e fazemos comparações descabidas”, escreveu Toledo.

Por meio de um pedido via LAI, o repórter Eduardo Barreto, da equipe da Coluna de Guilherme Amado da Revista Época, mostrou que o Palácio do Planalto decretou sigilo de até cem anos ao cartão de vacinação de Jair Bolsonaro. A Presidência da República declarou que os dados "dizem respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem" do chefe do executivo brasileiro.

Houve uma escalada dos pedidos de recursos em solicitações via LAI que não foram julgados pela Controladoria-Geral da União (CGU) dentro do prazo previsto, de acordo com levantamento do gabinete do deputado Ivan Valente (PSOL-SP). Até nov.2020, 25 passaram do prazo, contra 11 em 2019 e nenhum em 2018, quando Michel Temer ainda chefiava o executivo brasileiro.


Pesquisa da Abraji

Para traçar um panorama mais minucioso do desempenho do dispositivo nas redações brasileiras, a Abraji recebe o relato de jornalistas de todo o Brasil que tenham ou não feito pedidos de informação por meio deste formulário.

Realizada em 2013, a primeira edição do relatório constatou que o poder Executivo oferecia mais dificuldades a jornalistas em busca de informações do que as demais esferas do poder. Em 2015, o estudo mapeou a expansão do uso da LAI em redações do país. A terceira e última, que abarcou os biênios 2016-2017 e 2018-2019, mostrou que o número mensal de matérias produzidas com base em pedidos de acesso à informação aumentou em quase oito vezes entre 2012 e 2019. Porém, cerca de 90% dos entrevistados relataram alguma dificuldade para receber respostas.

Foto de capa: Karolinska Institutet

Assinatura Abraji