Jornalista investigativo independente: saiba como vender a sua pauta
  • 27.04
  • 2021
  • 17:40
  • Toby McIntosh

Formação

Jornalista investigativo independente: saiba como vender a sua pauta

Texto originalmente publicado pela Global Investigative Journalism Network (GIJN).

Vender uma matéria independente de jornalismo investigativo pode parecer muito com a venda de qualquer outra pauta, mas não é. É mais difícil. Simplesmente porque não há suficientes meios de comunicação dispostos a se envolverem em reportagens investigativas.

Ademais, argumentar sobre investigações que podem ter resultados incertos e controversos é especialmente desafiador, exigindo confiança mútua. 

Mais importante ainda é que o custo de apurações minuciosas pode ser alto e nem sempre compensa. É difícil prever quanto tempo e esforço estarão envolvidos, transformando qualquer análise de custo-benefício em mero palpite.

Por fim, há ainda o risco pessoal. Profissionais independentes enfrentam desafios especiais ao trabalhar em reportagens controversas, com riscos jurídicos e de segurança que os meios de comunicação não vão assumir. 

O status de jornalistas investigativos freelancers, apesar de tudo, permanece forte. Movidos pela independência e pela liberdade na escolha da pauta e de onde publicá-la, os freelancers acabam por encontrar recompensas no caminho. Alguns estabelecem relacionamentos duradouros com editores e veículos, outros garantem trabalho extra para ajudar no pagamento das contas, e aumentam o próprio poder de alcance e de rendimento, como autores, professores e consultores.

A GIJN pesquisou os desafios de publicar matérias investigativas e elencou conselhos práticos de jornalistas experientes no mercado. O foco é: 

  • Encontrar potenciais interessados; 
  • Apresentar a pauta de forma efetiva; 
  • Proteger a sua ideia; 
  • Calcular o orçamento.

Além dessa visão ampla, a GIJN também compilou uma lista de dicas e estratégias específicas para desenvolver matérias independentes durante a pandemia da covid-19.

Encontrando potenciais interessados 

É preciso um nível especial de confiança antes que um meio de comunicação aposte num repórter investigativo, uma realidade que ressalta a importância profissional de se estabelecer conexões pessoais. 

A construção de um relacionamento pela venda de reportagens factuais, não investigativas, pode ser a melhor forma de estabelecer a conexão certa. “Quebrar o gelo” com matérias delicadas pode ser muito difícil. 

A sugestão mais comum é conhecer editores através da participação em seminários e conferências. 

Pesquisar é preciso

Um outro bom conselho é pesquisar potenciais veículos para publicação - não apenas lugares que normalmente publicam artigos investigativos, mas que também demonstram interesse no tópico da sua reportagem.

Com alguns nomes nas mãos, mergulhe mais fundo na pesquisa:

  • Leia o que publicaram ou divulgaram antes, não apenas sobre o tópico em questão;
  • Estude sua abordagem e seu estilo;
  • Examine cuidadosamente as declarações que tenham feito sobre a própria missão;
  • Saiba quem são os seus principais editores;
  • Pesquise se você, ou alguém que conhece, tem uma conexão pessoal que possa abrir uma porta.

Considere múltiplos mercados para o seu material para, assim, “extrair o máximo de valor de cada etapa do processo de apuração da notícia”, como Rowan Philp, da GIJN, descreveu num artigo sobre jornalismo independente num painel de 2019, da GIJN.

“Jornalistas investigativos independentes precisam criar o hábito de buscar múltiplas oportunidades de vendas para cada reportagem, se quiserem crescer ou até mesmo sobreviver”, escreveu Rowan, baseado na própria experiência como veterano freelancer.

Como Rowan, outros painelistas dessa sessão descreveram uma variedade de opções, incluindo os formatos impresso, de vídeo e de áudio, como ferramentas para maximizar receitas.

Criando uma boa estratégia de venda


Imagem: unDraw

Tão logo tenha veículos específicos em mente, comece a preparar a apresentação da sua sugestão de pauta, a sua estratégia de venda. 

A maioria dos conselhos para freelancers padrão é aplicável ao jornalismo investigativo. A “venda” deve ser concisa, vigorosa e atrativa. 

“É preciso convencer o editor ou quem quer que seja responsável de que você é a pessoa certa, na verdade, a única pessoa para contar essa história, porque tem o conhecimento, as fontes, a experiência necessária ou que tem acesso a documentos ou informações exclusivas”, ressalta Catalina Lobo-Guerrero, jornalista colombiana independente e ex-editora da GIJN, com mais dez anos de experiência. 

Dicas de editores 

Editor nacional do Atlantic, Scott Stossel elencou suas principais dicas numa entrevista de 2017:

  • Faça um pré-relatório. Certifique-se de que seu argumento é bem fundamentado.
  • Preocupe-se com detalhes. Desvende os personagens, descubra o que está em jogo e entenda a importância para o leitor.
  • Ostente suas habilidades de escrita. A própria sugestão de pauta deve contar a história e apresentar o seu ângulo. 
  • Não tenha medo de um pouco de drama. Apresente o cerne dramático da pauta enquanto a defende.
  • Entenda o valor da notícia. Quanto mais óbvio for o vínculo com notícias atuais, melhor.
  • Certifique-se de que a sua pauta é atual.

Conforme o Manual de Jornalismo Investigativo, um projeto do Programa de Mídia Global da fundação Konrad Adenauer Stiftung, o argumento de venda da matéria deve incluir:

  • Um esboço da reportagem;
  • O motivo da reportagem ser ideal para este veículo em particular e para o seu público;
  • Um briefing da abordagem e da metodologia que serão utilizadas;
  • Um cronograma ou uma linha do tempo; 
  • Um orçamento.

Sarah Blustain, editora executiva da Type Investigations (ex-Investigative Fund), desenvolveu uma série de dicas sobre o que uma sugestão de pauta ou proposta de reportagem precisa “ser”: concisa, direta e entregar o que os editores precisam para levá-la adiante. A editora executiva revela que normalmente recomenda “uma proposta de quatro parágrafos”, com quatro pontos importantes:

  • O que é a matéria;
  • Por que ela é importante - e por que importa neste momento;
  • O que ela vai revelar;
  • Por que você deve ser o autor dessa história.

A revista norte-americana Mother Jones, de jornalismo investigativo, reforça estes pontos no seu Manual para Redatores Freelancers:

“Conte-nos, em não mais do que poucos parágrafos, sobre o que planeja investigar, por que isso é importante e interessante, e como pretende apresentar o resultado. O resumo deve incluir a sua abordagem, o seu tom, o estilo, bem como responder às seguintes questões: Qual a sua qualificação específica para escrever sobre este tópico? O que as suas fontes podem lhe contar? Considerando outras reportagens feitas sobre o tópico, como a sua será diferente - e melhor?”.

“Por favor inclua uma linha ou duas sobre a sua experiência, e duas ou três sobre os seus trabalhos mais relevantes (aceitamos links).”

Artigo publicado em 2018 pela Nieman Storyboard e intitulado “The Pitch: At the Guardian’s Long Read, No Rigid Formula or Geographic Limits” - em tradução livre, “A proposta: No The Long Read, do Guardian, não há fórmula nem fronteira” - não é necessariamente sobre jornalismo investigativo, mas é bem claro quanto ao que não pode faltar nesse processo. “O conselho do editor é: estude o que foi publicado previamente. Seja competente, original e cativante. Ouse enviar o bom (e velho) discurso de venda”.

Mesmo que tenha sido escrita com pedidos de financiamento em mente, a coluna de 2016 de Eric Karstens, intitulada “How Not to Win a Journalism Grant” (“Como não ganhar uma bolsa de jornalismo”, em tradução livre), publicada novamente pela GIJN em 2018, tem muitas boas ideias sobre apresentação. 

What Editors Are Looking For in Solutions Pitches” (ou “O que os editores buscam em propostas de pautas”) é o segundo de uma série de três textos sobre a submissão de propostas para a organização Solutions Journalism Network, em 2018. Julia Hotz discorre sobre os oito pontos a seguir:

  1. Uma resposta clara, detalhada e atual para a pergunta “Por que os leitores deveriam se importar?”;
  2. O fato de ser um bom contador de histórias e de que há uma história a ser contada; 
  3. Evidências - qualitativas e quantitativas - da resposta ao artigo, do seu impacto;
  4. O reconhecimento da limitação de resposta e uma análise da sua replicabilidade;
  5. Uma ideia de como o artigo começará e de como se desenvolverá;
  6. O resumo sobre como contará a história e por que está qualificado a contá-la;
  7. Um título que traduza o valor da história e a sua atualidade;
  8. O entendimento do que o veículo de comunicação cobre (e o que não cobre).

A primeira parte da série é um texto que acompanha os estágios iniciais de desenvolvimento de um pitch, ou sugestão de pauta, e ao final discorre sobre exemplos de propostas de sucesso

O artigo “How to successfully pitch The New York Times (or, well, anyone else)” - “Como apresentar um pitch bem-sucedido ao The New York Times (ou, na verdade, a qualquer veículo)” -, de Tim Herrera, inclui “seis erros comuns”, a começar por: “Não saber qual é a sua história”.

Why Your Pitch Was Turned Down - From The Editors Themselves” (ou “Por que a sua sugestão de pauta foi recusada - Respostas dos próprios editores”) reúne depoimentos de editores de grandes jornais entrevistados por Ben Sledge, para a comunidade global The Writing Cooperative.

Uma boa lista de manuais de pautas de diversas publicações é publicada pela Society of Professional Journalists (Sociedade de Jornalistas Profissionais), nos Estados Unidos.

Veículos especializados em jornalismo investigativo exigem mais

Os sites de publicações investigativas geralmente provêm diretrizes sobre o que querem. Apesar de alguns conselhos serem muito específicos de cada veículo, há algumas mensagens comuns.

Reveal, o programa de rádio investigativo do The Center for Investigative Reporting, dos Estados Unidos, demanda muitas informações, e fazem perguntas difíceis. 

O formulário de inscrição começa de forma suficientemente padrão, dando aos jornalistas 500 palavras para “informar qual a história e que perguntas ela está tentando responder”.

Há outras questĩes, tais como: 

  • Quem será afetado?
  • O que faz desta uma reportagem de impacto nacional? 
  • Por que é uma reportagem apelativa para a rádio?

Então, os editores do Reveal cavam mais fundo, com nove perguntas, incluindo:

  • Liste partes de cinco informações exclusivas que descobriu ou está trabalhando para descobrir. 
  • Conte-nos sobre os principais personagens da sua matéria e o que pretende gravar com eles.
  • Quem mais já cobriu este tema (inclua os links), e como sua reportagem será diferente?

Lidando com incertezas

Há incertezas relacionadas com o desenrolar de algumas pautas, mas esse fato não precisa ser uma desvantagem. 

Lobo-Guerrero atesta: “Talvez uma forma de sugerir uma reportagem investigativa é afirmar: Isso é o que pretendo alcançar, se a minha hipótese for comprovada, mas se não conseguir isso, a pauta ainda é válida porque… Como um plano a, b, c ou o que alguns editores chamam de máximo ou mínimo da história”. 

O manual de 2015 da rede solidária independente Balkan Investigative Reporting Network (BIRN), que atua nos Bálcãs, tem seções dedicadas ao reconhecimento de viabilidade, de definição de uma hipótese e do estabelecimento do máximo/mínimo de uma reportagem. As dicas estão escritas em inglês.

O que proteger na sua pauta?

Um dilema acompanha a venda de uma boa pauta: como revelar a sua reportagem sem expô-la? A sugestão de pauta precisa ter detalhes, mas não pode ser tão detalhada ao ponto de permitir que a sua ideia seja copiada.

Sarah Blustain, da Type Investigations, sugere: “Não exponha tudo e entregue suas descobertas para um veículo que pode designar a pauta para outro repórter”. Ela é ainda mais firme ao pedir cautela na informação sobre fontes. 

Você pode decidir confiar num veículo em potencial. Ou, como alguns experts aconselham, pedir um contrato de confidencialidade (NDA). A linguagem pode ser simples. 

Exemplo:

“O Veículo X concorda em não publicar as informações contidas na sugestão de pauta do Autor X sem o consentimento do mesmo”.

O exemplo acima foi idealizado por Samantha Sunne, uma repórter freelancer de Nova Orleans, nos Estados Unidos, que publica a newsletter intitulada “Tools for Reporters” (Ferramentas para Repórteres). 

“A exigência de contrato de confidencialidade pode ser um exagero para alguns projetos”, comentou Sunne num post de 2018. “Eu não recomendaria necessariamente esse acordo para toda reportagem, porque já tentei essa manobra com um editor com o qual nunca havia trabalhado antes e ele simplesmente recusou”. Agora, conforme declarou à GIJN, Sunne trabalha com pessoas que conhece e não sente a necessidade de tal garantia.

Jornalistas investigativos freelancers aconselham que as últimas coisas que se deve revelar a um meio de comunicação são fontes e documentos. No entanto, se for estritamente necessário, a confidencialidade pode ser acordada para proteger o que está sendo revelado.

Sunne sugere que a forma mais tranquila de se obter um acordo de confidencialidade é pedi-lo por email.

Para muitos freelancers, trata-se de uma questão de confiança. Os que têm uma relação profissional com o veículo de comunicação não se preocupam. A maioria deles parece estar atenta a questões de proteção autoral. 

A Type Investigations, por exemplo, adota as seguintes diretrizes quanto à confidencialidade:

“Encaramos a obrigação de proteger a sua história com muita seriedade; manteremos-a restrita ao grupo editorial. Sabemos também que a sua sugestão de pauta pode conter informações confidenciais. Se estiver preocupado com o envio de detalhes por e-mail, informe-nos e encontraremos um método seguro de comunicação”.

Calculando o orçamento


Imagem: unDraw

Criar um orçamento é crucial para tornar lucrativo o trabalho independente.

Antecipar custos vai ajudar a decidir o quanto cobrar e quando recuar diante de uma baixa oferta de pagamento. 

“Depois de alguns anos tentando mapear reportagens investigativas face à realidade dos freelancers, bolei uma estrutura que chamo de ‘camadas’”, escreveu a freelancer norte-americana Sunne.

Outros freelancers concordam: esteja preparado para recusar projetos que paguem menos do que custam. 

Sunne pontua o nível de esforço que empregará no desenvolvimento de ideias: “O motivo é claro: não quero mergulhar fundo em entrevistas, pesquisas em arquivos públicos e até custos com viagens, se a pauta não for adiante. Sem assinar um contrato, ou pelo menos despertar o interesse de um editor, eu abandono a história”.

Mais uma razão para traçar despesas potenciais é negociar custos previsíveis, como viagens, ou imprevisíveis, como taxas governamentais para obter documentos.

A Rory Peck Trust, ONG que apoia jornalistas freelancers, criou diversos modelos para ajudar em orçamentos. 

O jornalista investigativo Emmanuel Freudenthal compartilhou seis de suas dicas sobre como viver como jornalista freelancer durante a 11ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo (11th Global Investigative Journalism Conference). A sugestão dele é calcular e rastrear as despesas em aplicativos como SmartReceipts e Waveapps ou ainda o Excel.

Toby McIntosh é consultor sênior no Centro de Recursos da GIJN. Antes disso, trabalhou no Bloomberg BNA, em Washington, por 39 anos. Foi editor da FreedomInfo.org de 2010 a 2017, quando escreveu sobre as políticas da FOI (Freedom of Information) em todo o mundo. Mantém o blog eyeonglobaltransparency.net.

Tradução: Raquel Lima 

Assinatura Abraji