Governo descumpre medidas cautelares da CIDH no caso Bruno e Dom
  • 01.08
  • 2022
  • 16:30
  • Abraji

Acesso à Informação

Governo descumpre medidas cautelares da CIDH no caso Bruno e Dom

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), junto com outras organizações de defesa dos povos indígenas e da liberdade de imprensa, que denunciaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, na Amazônia, volta a afirmar que há problemas na investigação das mortes e mais riscos de violência na região.

Em 11.jun.2022, a CIDH concedeu medida cautelar no caso, recomendando que o Estado brasileiro redobrasse esforços de busca pelas vítimas e garantisse a plena investigação dos fatos, implementando ações de não repetição das violações de direitos humanos constatadas. O governo brasileiro, no entanto, respondeu à Comissão alegando que o caso estaria concluído com a localização dos corpos e a confirmação das mortes, e pediu o encerramento da medida cautelar concedida.

No dia 27.jul.2022, as organizações responderam ao documento do governo Bolsonaro.

As entidades afirmam que, sem garantir a devida solução do caso, a manifestação do Estado brasileiro em si já representa um descumprimento das recomendações da CIDH. Em detalhes, as organizações mostram que, desde o início das buscas até a fase de investigação, as autoridades estatais não empreenderam esforços suficientes para a compreensão de todos os elementos que envolvem o caso e a responsabilização de todos os envolvidos. E lembram que, além de confissões feitas pelos próprios suspeitos, os avanços obtidos nas investigações foram possíveis apenas com a colaboração de integrantes da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e de indígenas da região, que nem sequer são citados no relatório do governo enviado à Comissão.

Um vídeo feito pelo Programa Tim Lopes, da Abraji, mostra como se deu a perseguição a Bruno e Dom até que fossem executados e tivessem seus corpos ocultados na mata. Todo o entendimento da dinâmica do crime só foi possível com a explicação dos indígenas.

Na resposta ao governo, as organizações rechaçam a narrativa, vocalizada por diferentes autoridades brasileiras, de que a morte de Bruno Pereira seria resultado de um desentendimento e uma rixa pessoal com pescadores de comunidades do Vale do Javari. A posição não leva em conta o histórico de ameaças que Bruno Pereira vinha sofrendo e que já tinham sido denunciadas formalmente. Da mesma forma, as solicitantes criticam o fato de as investigações até agora não trazerem quaisquer explicações sobre a morte de Dom Philips, tratada como um efeito colateral nas linhas investigativas, desconsiderando o trabalho jornalístico de registro de crimes ambientais que o jornalista realizava na região.

Ao pedir para que a medida cautelar siga aberta e que a CIDH continue recomendando que o Estado brasileiro investigue o caso plenamente, as solicitantes destacam que o governo federal está desrespeitando a determinação da Comissão Interamericana ao não oferecer medidas para impedir que tragédias como a de Dom e Bruno ocorram com outras pessoas que atuam no Vale do Javari. Isso porque o governo brasileiro não apresentou informação sobre iniciativas capazes de garantir a proteção e segurança de quem segue trabalhando na região, está colaborando com as investigações e, também por isso, tem recebido inúmeras ameaças. “A maioria dessas medidas consiste em esforços bastante iniciais, no sentido de serem estabelecidos canais de diálogo entre autoridades. Uma das medidas mais importantes, relativa ao reforço na segurança na região, tampouco se traduziu na adoção de ações concretas”, afirma a resposta das organizações.

A lentidão e as falhas na investigação até agora impediram a localização ou detenção de outras pessoas que possam estar envolvidas nos crimes e que seguem livres para ameaçar lideranças indígenas, ambientalistas e comunicadores. Nesse sentido, o documento elenca a ausência de denúncia formal no inquérito contra pessoas que ajudaram a ocultar os corpos, de investigação de políticos locais que se beneficiaram do crime e de indicação de eventuais mandantes do crime.

“A denúncia apresentada pelo MPF e aceita pela Justiça Federal cristaliza diversos aspectos que têm sido objeto de críticas por parte da sociedade civil quanto à incapacidade de as investigações efetivamente apontarem as motivações dos assassinatos de Bruno Araújo Pereira e Dom Philips, de promoverem a responsabilização de todos os envolvidos e de desmantelarem integralmente a estrutura criminosa que ameaça e mata as pessoas que defendem a Terra Indígena do Vale do Javari e seus povos - e que gerou o ambiente que resultou nesses dois assassinatos”, aponta o documento.

Para o grupo de organizações peticionárias, do qual a Abraji faz parte, a investigação está longe de se encerrar e muitas questões seguem em aberto, cabendo respostas das autoridades brasileiras. Por isso, pedem que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos estabeleça canais de diálogo permanente e de cobrança do acompanhamento da cautelar com o governo brasileiro - tanto em relação às investigações do crime, quanto ao desenvolvimento de medidas de proteção do território da Terra Indígena do Vale do Javari e das pessoas ameaçadas no contexto de luta por direitos na região.

“A multiplicidade de casos envolvendo a morte de comunicadores e defensores de direitos humanos não se trata de algo pontual, de casos isolados. Trata-se de um nível de letalidade apurável e vinculado a situações em que opiniões políticas ou denúncias realizadas por esses profissionais confrontam pessoas e grupos que exercem o poder local. Assim, atentar contra suas vidas tem se mostrado uma estratégia recorrente no silenciamento de vozes e tolhimento da liberdade de expressão na região amazônica”, afirmam as entidades à CIDH.

O pedido de medida cautelar foi protocolado em 10.jun.2022, quando os corpos de Dom Phillips e Bruno Pereira e as buscas e investigações sobre o desaparecimento marcavam a preocupação da sociedade brasileira. Foram signatárias do pedido as organizações Artigo 19, Instituto Vladmir Herzog, Alianza Regional por la Libre Expresión e Información, Washington Brazil Office, Associação de Jornalismo Digital - Ajor, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo - Abraji, Repórteres Sem Fronteiras, Instituto Tornavoz e Intervozes, e posteriormente foram incorporadas as organizações de defesa dos direitos indígenas UNIVAJA e Opi. No dia seguinte, 11.jun.2022, o pedido foi acolhido e a Comissão emitiu resolução com recomendações ao governo brasileiro sobre o caso.

Dom e Bruno desapareceram no dia 5.jun.2022 e só foram encontrados dez dias depois, em 15.jun.2022, após um dos suspeitos confessar envolvimento no crime. O Programa Tim Lopes enviou os jornalistas Sérgio Ramalho e Pedro Prado ao Amazonas para investigar as circunstâncias das mortes. Mais informações aqui e aqui.

Foto da capa: reprodução da internet a partir das redes sociais

Assinatura Abraji