Conheça o projeto Inspiração, que traz histórias de jornalistas destacados pela Abraji
  • 04.09
  • 2025
  • 13:20
  • Abraji

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Conheça o projeto Inspiração, que traz histórias de jornalistas destacados pela Abraji

A ideia de oferecer às atuais e futuras gerações de profissionais vislumbres de trabalhos consistentes, feitos por nomes que marcaram e ainda impactam a história do Jornalismo, deu impulso ao projeto Inspiração, lançado pela Abraji durante o 20º Congresso, em São Paulo, no dia 10 de julho, durante a mesa de homenagens que tradicionalmente marca o evento. 

Confira o Inspiração

A idealizadora da iniciativa foi Elvira Lobato, diretora da Abraji, ao perceber que havia uma lacuna a ser preenchida, passando exemplos de reportagens e principalmente de práticas adotadas por profissionais de grande envergadura. A proposta foi começar com algumas pessoas que já tinham sido homenageadas pela Abraji ao longo das duas décadas de congresso. 

Para a produção do conteúdo (entrevistas, vídeos, textos e edição), Elvira contou com o auxílio de Maiá Menezes, vice-presidente da Abraji, com a ex-presidente Angelina Nunes e com a participação mais do que especial de Marcelo Beraba, fundador da Abraji, falecido no final de julho, e que deixou materiais prontos, como Elvira conta na entrevista abaixo. 

Os quatro primeiros perfilados são Dorrit Harazim, Rosental Calmon Alves, José Hamilton Ribeiro e Joel Silveira (falecido em 2007). O material foi produzido a partir de pesquisas e de conversas, além da recuperação de trabalhos desenvolvidos por eles. A execução do site coube à Famigerado Estúdio, sob a supervisão de Gabi Coelho.  

"Quando acontece algo muito importante, eu penso que podia estar lá.” Essa fala resume um pensamento recorrente do jornalista José Hamilton Ribeiro, de 90 anos. Quem é repórter é repórter pela vida toda, aposentado ou não.

Parceiro de Dorrit Harazim, Zuenir Ventura explica o estilo dela: “Ela é minimalista, eu sou superlativo. Ela é lide, eu sou nariz de cera.” É que Dorrit tem seu próprio método. Quando entra no “modo repórter”, mergulha intensamente na pauta. “É no imprevisível que está a beleza do jornalismo. É esta a minha mensagem para a garotada que está começando a fazer um jornalismo resumindo os fatos para postar fotos nas redes sociais. Fui beneficiada por um jornalismo que, ao invés de resumir, permitia ampliar", ensina ela.

Depois de uma extensa carreira nas redações, Rosental Calmon assumiu uma frente de batalha, a de defender o jornalismo investigativo na América Latina. Já falecido, Joel Silveira deixou uma lição: "O repórter tem que ser humilde, olhar a notícia como um cristão de fé olha Deus. Com a maior reverência e humildade."

Um pouco do que pensam Dorrit, Rosental, Zé Hamilton e também do legado de Joel Silveira pode ser conferido no projeto Inspiração. A ideia é dar aos jovens jornalistas a chance de conhecer o trabalho, o pensamento e a vida de grandes nomes da profissão. Novos nomes se somarão aos quatro em breve. Nesta entrevista, Elvira Lobato conta como estão as produções dessas biografias e mais: mostra como é apaixonante dialogar com essas histórias.
 

Elvira Lobato no 19º Congresso da Abraji            -             Foto: Luciana Vassoler/Abraji

Elvira, como surgiu a ideia de criar o projeto Inspiração?

Eu comecei a ter ideia disso pelo seguinte: a Abraji homenageou nos últimos anos vários jornalistas. Mas, um jovem jornalista que pesquisasse o site da Abraji não conseguiria entender quem foram aquelas pessoas, por que elas foram homenageadas. Eu pensei na necessidade de criar um espaço de memória do jornalismo de qualidade, que inspirasse o jornalista novo, que passasse um pouco da experiência daquele profissional, não só mostrando o trabalho que ele executou, mas como ele exercia o ofício, que dicas ele tinha, que reflexão ele fazia sobre o jornalismo. 


Você começou com o Zé Hamilton Ribeiro.

Foi uma entrevista muito emocionante, em que ele foi contando sua história, assim como cada um me contou um lado. No caso dele, eu lembro que eu dei esse título “O Olhar do Repórter”, porque ele era isso. Ele parecia um fotógrafo descrevendo as cenas. E até contando como despertou para o jornalismo. Como descobriu que queria ser isso, quando criança. E eu fui me encantando.

E, se ele foi encantando a mim, que tenho mais de 70 anos e que também tenho uma trajetória longa, fiquei imaginando como ele iria encantar muito os jovens. E não só fiz a entrevista. A ideia era uma biografia dele, que elaborei fazendo um trabalho de muita pesquisa, mostrando algumas reportagens que foram simbólicas daquele profissional.

Assim, começou desse jeito, pela minha própria curiosidade de conhecer como é que aquele profissional pensava o jornalismo.


No projeto, fica claro que independentemente da idade – Zé Hamilton está com 90 anos, se está aposentado ou não –, o  jornalismo é parte daquela pessoa, não é mesmo?

Sim. Com o Zé Hamilton eu tive que ir puxando a memória dele. Era uma conversa de dois jornalistas. Os dois jornalistas velhos de guerra. Mas, ao conversar sobre aquilo, a gente volta no tempo. Toda a paixão pelo jornalismo aflora. Isso foi muito muito bom, muito divertido, sabe? Foi encantador. Eu saí muito encantada com o Zé Hamilton. E eu achei que os jovens têm o direito de conhecer a história de cada um deles.

Outro que eu conhecia muito pouco, quase nada, era Joel Silveira. Eu não pude entrevistá-lo, obviamente, pois ele está morto. Mas eu li os livros dele, fui pesquisar as matérias dos jornais da época, que o Joel ainda é mais antigo ainda, do tempo da Segunda Guerra Mundial. E eu fui também me apaixonando pelo Joel. E, a cada repórter, você vai se apaixonando pelo jeito daquele profissional, porque o jornalismo é apaixonante.

Quando eu escolhi um trecho de uma matéria dele, que ele descrevia um massacre que teve na Colômbia, e ele vai visitar os mortos, tinha um menino de uns 10 anos na pilha de mortos com o olho aberto. E, pela maneira que ele descreve aqueles mortos, ele me deixou extremamente emocionada, sabe? Que profissão emocionante.

E eu acho que está faltando na Abraji isso: um acervo que que inspire o jovem. E não só inspirar, mas dizer: "Olha, esses fizeram isso numa época que não tinha a tecnologia que tem hoje. O jornalismo não depende da tecnologia, simplesmente ela pode ajudar, mas não resume-se a ela. Não vai ser substituído por ela. Veja o encanto que o Joel produziu naquela época. Veja o encanto que o Zé Hamilton produziu antes da internet.


Dá para perceber assim, tanto nos perfis quanto no documentário sobre os homenageados, que esses repórteres têm ao menos quatro características em comum: a paixão, a sensibilidade, a ética e a curiosidade. Você acha que esse é o aprendizado básico para um jovem repórter?

Eu acho que é o pré-requisito. Se não tem essas características, ele dificilmente vai ser um grande repórter. Se não tem paixão, não vai conseguir. Ele pode ser um bom repórter, mas ele não vai ser um repórter extraordinário.

E essa sensibilidade de olhar o outro… pode ser um bom repórter de economia, de cobertura correta, mas ele não vai ultrapassar isso. Então, o que eu acho que caracteriza esses grandes jornalistas são essas qualidades que você apontou. Sendo, na minha avaliação, a primeira delas a curiosidade. Mas caminham juntas, né? A sensibilidade, o respeito pelo outro. Isso está presente em todos eles.

E tem, inclusive, um certo desprezo pela autoridade. Não sei se você nota, vários citam isso. A Dorrit tem total desinteresse pelas autoridades. A autoridade só produz a notícia previsível, né? A que deslumbra vem do cara simples. O Zé Hamilton diz que entre entrevistar um presidente da República e um cara que que encontrou um tatu diferente, ele vai atrás do cara com o tatu.

Porque esses grandes, eles têm essa característica em comum, eles não se deixam encantar pelo poder, sabe? 


A gente está com quatro nomes por enquanto: Dorrit Harazim, José Hamilton Ribeiro, Joel Silveira e Rosental Calmon. Quais são os próximos passos? 

O que já tenho pronto, com entrevista feita, é o perfil do Lúcio Flávio Pinto. Fui visitar um irmão que está doente em Belém e aproveitei e entrevistei o Lúcio Flávio, que é muito arredio a entrevistas. Foi uma conversa apaixonante. Tanto que alguns trechos foram mostrados no documentário da Abraji. Aqueles vídeos fui eu que fiz durante a entrevista. 
E o [Marcelo] Beraba fez dois: um sobre o Paulo Totti, já falecido, e o outro com o Zuenir Ventura. Não tem pingue-pongue do Zuenir porque ele não quer mais dar entrevista. Mas, de qualquer maneira, o Beraba pesquisou muito. 


Então, o Beraba se foi, mas deixou dois materiais inéditos para a gente?

Deixou dois, que eu me comprometi com ele, que eu vou dar uma revisão no final. Porque tem outra coisa, viu? Esse trabalho  tem que ser feito por vários jornalistas. É muito trabalhoso. Para fazer cada uma dessas matérias, eu demorei muito mais de um mês de trabalho. Então, para os próximos perfis de jornalistas, vamos ter que ir agregando outros jornalistas que queiram fazer.

E eu imagino que, depois que todos os homenageados pela Abraji tiverem o seu trabalho contado, sua trajetória contada, temos que buscar outros jornalistas que são igualmente relevantes e que não foram homenageados pela Abraji. 


Duas coisas me chamam atenção no documentário. Uma é a humildade do repórter homenageado, que está sempre falando do colega, né? Que é a coisa que você e o Beraba fizeram nesse projeto: não falaram de vocês mesmos, falaram de como aquele colega foi ou é brilhante. E outra coisa que me chamou a atenção foi o depoimento do Beraba, que, em vez de contar seus méritos, falou sobre um erro.

Ele acha que o erro ensina tanto quanto o acerto. Tanto que me perguntaram – ele já estava muito doente – por que mostrar o erro, se não seria diminuir ele ali? Eu falei: ‘Não, ao contrário. Ele acha que o erro é um grande professor. Ali não só tem as dicas do jornalista. Por exemplo, achei que a Dorrit dá muito, doa muito naquela entrevista, quando ela ensina como melhorar o texto. Então, é uma generosidade dela. Nós ficamos muitas horas conversando. Todo jornalista bom é generoso, porque você tem que ser. Se você for egoísta, não vai fazer sentido o trabalho que você faz e também não vai sair o melhor que você pode fazer, sabe?


O jornalismo é um trabalho solitário ou coletivo? 

Eu acho que tem épocas. Muitas das vezes, grande parte do meu trabalho foi solitário. Porque eu já estava numa época da minha profissão que eu já tinha experiência para ir buscar a pauta, para desenvolver a pauta para aprender. Porque em cada reportagem você aprende muito. Muitas você começa e elas fracassam. Mas também fiz muita matéria coletiva. Para ser solitário, você já tem que estar mais maduro. E, mesmo solitário, tem um momento que você precisa conversar com alguém sobre aquela matéria que está fazendo. 


Solitário não significa não colaborativo, né? 

Não, não significa que você não vai trocar ideias. Eu acho que não cabe nesse rótulo solitário ou coletivo. Pode ser os dois, sabe? 


O que mais você gostaria de dizer?

O apelo que eu faço é que todos os jornalistas, quem quiser entrar no projeto Inspiração, que entre. Porque esse projeto precisa ter mais gente. Porque, se não, ele não vai ganhar a estatura que ele merece, sabe? Porque não é possível que um só vá fazer, levar isso adiante.
 

Assinatura Abraji