
- 28.07
- 2025
- 17:45
- Abraji
As palavras para um mestre do jornalismo
Criador da Abraji, diretor das maiores redações do país, chamado de mestre por gerações inteiras de jornalistas, Marcelo Beraba faleceu nesta segunda-feira, 28 de julho, aos 74 anos. Abaixo, as palavras de quem conheceu e reconheceu seu trabalho e teve a sorte de contar com sua convivência.
Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas
Sem Beraba não haveria Abraji. Sem Beraba, a Abraji não teria crescido e se consolidado como uma das maiores organizações de jornalismo investigativo do mundo, indo muito além do que seus fundadores imaginavam naquele dezembro de 2002. Uma das maiores dificuldades na criação de organizações similares na América Latina foi a falta de um Beraba em cada país. Líderes como ele são raros na criação, no desenvolvimento e na estabilização de associações de jornalistas. Seu estilo de liderança, baseado sobretudo no diálogo sincero, na transparência, na paciência para escutar e na habilidade de encontrar pontos comuns e conciliação no meio de divergências que pareciam irreconciliáveis. Eu já tinha ouvido falar das habilidades do Beraba, e tinha ajudado a convencê-lo a me substituir como editor executivo no Jornal do Brasil.
Ricardo Uceda, diretor do IPYS (Instituto Prensa y Sociedad), do Peru
O falecimento de Marcelo Beraba é profundamente triste para o IPYS e para a comunidade da Conferência Latino-Americana de Jornalismo Investigativo (COLPIN). Ele foi um dos fundadores da COLPIN e do Prêmio Latino-Americano, onde atuou como jurado por mais de dez anos. Seu papel foi decisivo na relação entre jornalistas brasileiros e latino-americanos, inexistente há duas décadas. Considerando sua importância na fundação da ABRAJI e sua liderança internacional como defensor do leitor, perdemos uma figura fundamental. Um dos nossos pais. O IPYS perdeu um amigo e colaborador excepcional. Além de tudo isso, Marcelo sempre representou para nós uma referência de valores jornalísticos. Ele foi um paradigma do jornalista íntegro. Embora sua ausência deixe um enorme vazio, seu exemplo e a memória de sua generosidade serão inesquecíveis.
Nestes dias de extrema tristeza, quero expressar meu mais profundo respeito e gratidão a Marcelo Beraba, um pilar do jornalismo brasileiro cuja carreira moldou gerações de colegas. Sua integridade inabalável, sua honestidade intransigente e seu compromisso com a verdade o tornaram uma referência ética e profissional em tempos em que nem sempre foi fácil defender princípios. Das redações que ajudou a construir às organizações que liderou, Beraba tem sido um defensor apaixonado da liberdade de imprensa e um incansável promotor do jornalismo investigativo como ferramenta essencial para o fortalecimento da democracia.
Matinas Suzuki Jr., jornalista, diretor da editora Casa Matinas
Há uma lenda guardada pelas velhas pastilhas que coloriam o prédio da Folha de S.Paulo que diz que, recém-chegado à capital paulista, Marcelo Beraba teria pautado uma cobertura em “Itacuera” — e não em Itaquera. Era uma brincadeira com a dificuldade que ele teve, vindo para a imprensa em São Paulo, com os nomes dos locais em tupi-guarani tão comuns na grande metrópole. Marcelo Beraba foi um “chef” que deu consistência à cozinha jornalística da Folha. Ele ensinou o jornal a estruturar e planejar grandes coberturas e formou uma geração de repórteres na imprensa paulista. Pautando, orientando, lembrando as perguntas que precisavam ser feitas numa cobertura, ele valia por uma escola inteira de jornalismo dentro da redação.
Ricardo Gandour, jornalista, ex-diretor de Redação do Estadão
“Mestre”, era assim que Beraba se referia a quem se aproximava para um papo, um despacho corriqueiro, ou mesmo para ouvir uma das cobranças sempre muito firmes que costumava fazer quando uma pauta não tinha andado bem ou o retorno não chegara com a devida clareza.
Ouvi essa saudação pela primeira vez no final de uma manhã qualquer em 1991, na redação da Folha, em São Paulo. Como de hábito, ele saíra da reunião matinal que, como secretário de Redação de Produção, fazia questão de comandar pessoalmente. Ele caminhava em direção à bancada da Primeira Página, voz de timbre grave, passos curtos e rápidos, camisa social e gravata, às vezes um paletó, corpo levemente arcado à frente, a conferir, por cima da barba e dos óculos de lentes espessas e armação fina, quais editores já estavam à frente de suas equipes. Tempos depois, enxerguei que essa saudação embutia um teor convocatório: ao chamar o subordinado de “mestre”, ele tentava empoderá-lo, como se dissesse “seja o comandante dessa missão”.
Missão era outro conceito central de sua permanente abordagem, ao lado de outro, Planejamento. Valorizava os simples registros diários, mas era fascinado por armar em detalhe as grandes empreitadas, as disputadas pautas especiais que iriam render dois “abres” de página, às vezes um caderno especial e, invariavelmente, um crédito na Primeira Página. Estendia essa dedicação aos processos internos, como o controle de erros, as revisões do manual da redação e o processo de avaliação de jornalistas.
Mestre era ele, sempre foi. Tempos depois, no final dos anos 2000, voltamos a trabalhar juntos no Estadão, numa dessas inversões hierárquicas tão comuns no jornalismo. Continuou sendo o meu Mestre. E ficou ainda mais claro que à missão como espírito de trabalho e à obsessão por planejamento se somava a paixão pelo Método, essa disciplina que caracteriza e diferencia a verdadeira prática jornalística.
Ele foi precursor, praticante e disseminador de tudo isso. Seguiu o Método até o fim: quando de sua enfermidade, recolheu-se em discrição, como a praticar o mandamento “jornalista não é notícia”.
Marcelo Beraba. Berabinha, para alguns íntimos. Mestre.
Carlos Lauria, diretor-executivo da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)
Além de seu brilhante legado profissional, aqueles de nós que tivemos o privilégio de compartilhar sua amizade lembram-se acima de tudo de suas qualidades humanas: sua franqueza, seu senso de humor, sua generosidade na formação e mentoria de jovens jornalistas e sua profunda sensibilidade. Marcelo nunca hesitou em se manifestar quando outros permaneceram em silêncio e sempre defendeu um jornalismo comprometido, rigoroso e corajoso. Ele deixa um vazio, mas seu exemplo continuará a iluminar o caminho para aqueles que acreditam que o bom jornalismo é, acima de tudo, um ato de serviço público.
Andrés D'Alessandro, ex-diretor-executivo da FOPEA, irmã da Abraji na Argentina
Marcelo Beraba tem sido uma verdadeira referência para o jornalismo latino-americano e contribuiu muito para todos os jornalistas da Argentina com seu conhecimento e generosidade. Nos primeiros dias da Fopea, quando eu era diretor executivo, Marcelo participava das conferências e sempre se esforçava ao máximo para oferecer sua perspectiva especializada e profissional. Por favor, transmita meus cumprimentos e minha infinita gratidão.
Daniel Santoro, repórter especial de Clarín, Argentina
Marcelo Beraba, além de um grande jornalista, é um amigo. Cada vez que o chamávamos do Fórum Argentino de Jornalismo (FOPEA), ele vinha à Argentina para compartilhar sua experiência conosco de forma altruísta. Ele respondia a todos os convites para congressos, conferências ou consultas, apesar do esforço ou de outros compromissos. E, no meu caso particular, quando a ex-presidente Cristina Kirchner tentou me prender, acusando-me falsamente de espionagem e extorsão, Marcelo me ligou e assinou todos os pedidos em meu favor, que, na realidade, eram em apoio ao jornalismo independente, crítico e investigativo, a chama que move seu espírito.
Juca Kfouri, jornalista
Marcelo Beraba entre tantas qualidades tinha a de ser firme e doce ao mesmo tempo.
Brilhava com perfil baixo e primava pelo bom senso.
Já faz muita falta.
Marcelo Pontes, jornalista
O Marcelo Beraba dos nossos 52 anos de amizade fraternal, iniciados quando cheguei ao jornal O Globo em 1973, e ele já estava lá, reúne num só exemplo de vida o colega solidário e caridoso, o pai de família afetuoso, o cidadão indignado com injustiças e tiranias, o repórter corajoso que conseguiu no hospital a fotografia do capitão terrorista ferido no atentado do Riocentro, e o militante sindical que, nos anos de chumbo, fazia discursos em cima das mesas da redação (sim, o diretor Evandro Carlos de Andrade não reprimiu).
O que completava esse Beraba tão inquieto e desafiador era o foco em tudo o que fazia, tanto ao suar como zagueiro vigoroso a camisa do 3 de 13, time de futebol da redação, como ao se dedicar por toda a vida ao que acaba sendo um dos seus principais ensinamentos: o seu próprio aperfeiçoamento como profissional e a obsessão por tentar sempre melhorar a qualidade do jornalismo.
Descontente com a rotina em que apenas pesquisava, entrevistava e escrevia, Beraba tomou como exemplo, lá atrás, o Caso Watergate e, a partir daí, algumas boas reportagens de várias épocas, inclusive durante a ditadura, para sistematizar o seu aprendizado numa receita bem simples, que hoje deveria ser o básico do jornalismo sério em qualquer tipo de mídia: o bom repórter precisa também ser um bom observador. Tem que sair da redação, ir para a rua, usar a sensibilidade, olhar ao redor, observar o ambiente, saber ver, ouvir, entender e transmitir.
Com o rigor de quem testemunha, com a precisão de quem sabe contar uma história verdadeira com todos os detalhes, mostrando o que está vendo, não o que gostaria de ver. Sem esquecer jamais da ética, e sem deixar que a própria bagagem, a experiência, a vaidade e o preconceito escondam o que as pessoas precisam saber. Isso dá credibilidade ao jornalista e ao veículo em que trabalha. A descoberta do repórter Beraba é o seu maior legado também como gestor de grandes equipes nos principais jornais do país. Sinto uma dor enorme, mas tenho muito orgulho de ter convivido e aprendido com um amigo e profissional que fez tanto bem ao jornalismo e à democracia.
Silvia Fiuza, jornalista
Marcelo Beraba, amigo de tantos momentos, essa não tínhamos combinado. Foi no final dos anos 1970 que nos conhecemos: primeiro na política, depois, no jornal O Globo. Ficamos amigos. Acompanhamos muitos momentos da vida de cada um. Formamos um trio, junto com o Marcelo Pontes, e almoçávamos ao menos uma vez por mês. Eram almoços sagrados, sempre acompanhados por um bom vinho escolhido pelo Beraba. Mesmo durante a pandemia de Covid, fazíamos teste, usávamos máscara, ficávamos a um metro de distância, mas nosso almoço era mantido. Beraba sempre tinha a palavra do bom senso, uma capacidade de ler as situações sob diversos ângulos. Surpreendia com comentários irônicos e com um conhecimento espantoso sobre os detalhes dos fatos. Era um repórter na essência. Gostava de apurar, investigar, entrevistar, ler, pesquisar, descrever, escrever e descobrir um jeito diferente de contar a história. Amava o Rio de Janeiro, ainda que tenha passado longos períodos morando em São Paulo e Brasília.
Recentemente, li algumas matérias que ele fez nos anos 1970/1980. Fiquei impressionada com a percepção do Beraba em abordar temas que ainda não ganhavam destaque nas páginas: a destruição do meio ambiente, os movimentos sociais no campo, as culturas das favelas e periferias, as dificuldades financeiras na velhice, os direitos dos povos indígenas. E sempre abordava o tema com sensibilidade e um olhar acurado.
Estava empenhado em escrever um livro sobre os cursos que deu sobre jornalismo. Cheguei a ler um capítulo e comentamos. Estava entusiasmado com o projeto. Aliás, o Beraba era entusiasmado pela vida. Foi com entusiasmo que construiu uma brilhante carreira na imprensa, era com entusiamo que contava uma viagem com sua linda família, ficava entusiasmado com os nossos almoços mensais. Beraba tinha uma gentileza que emocionava. Bastava estar com um problema que ele tentava ajudar a encontrar uma solução. Era determinado. Quando tinha um objetivo, não media esforços. Até um mês atrás fazíamos nosso treino na academia e ele não parava, sempre focado nos exercícios. Estava decidido a enfrentar qualquer dificuldade que viesse pela frente. Chegamos a combinar novo almoço assim que ele melhorasse. Não deu tempo. Ele se foi. Deixa um vazio imenso para a família e tantos amigos que cultivou. Muita saudade e a memória carinhosa do amigo que gostava de ser amigo.
Angelina Nunes, jornalista e primeira mulher a presidir a Abraji
Mestre Beraba sempre esteve preocupado com a proteção e segurança dos jornalistas e comunicadores. Em julho de 2017, ele e o Thiago Herdy, então presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), me convidaram para coordenar o Programa Tim Lopes. A ideia de Beraba foi gestada durante um par de anos antes de conseguir suporte financeiro para sair do papel.
Estar atento às ameaças em todo país, os perigos físicos e virtuais, tudo isso nos afligia e nos deixava em alerta. Não queríamos contar os mortos, queríamos mostrar os sucessivos ataques à democracia. Queríamos denunciar e mudar essa realidade. E fomos percorrendo o Brasil para investigar os casos, ouvir coleguinhas e tentar mapear o que estava acontecendo.
No programa, fizemos investigações, transformamos esse material em texto, foto, vídeo e até um mini documentário mostrando os riscos de se fazer jornalismo na tríplice fronteira Brasil, Uruguai e Paraguai. Durante a pandemia, convidei Beraba para ser entrevistado na live do Programa Tim Lopes. E ele me disse que nem tinha perfil no Instagram. Combinamos que ele fizesse um e depois, se fosse o caso, ele poderia desativá-lo, o que não aconteceu.
Ele fez 56 postagens. Coisas pessoais, reuniões com amigos, as rodas de samba nos seus aniversários, análises do jornalismo, as lives das quais participava e uma selfie em 2 de junho de 2020. O último post foi em 1º de maio de 2024, ao lembrar a missa de sétimo dia do amigo Paulo Totti, jornalista e um dos homenageados da Abraji.
O mestre navegou no mundo digital em outras entrevistas. Também participou da primeira temporada do podcast ‘Jornalismo sem Trégua”, sobre o caso Tim Lopes e a criação da Abraji.
Apesar de trafegar no mundo virtual, Marcelo Beraba gostava mesmo era da vida real. Do olho no olho, de receber amigos no Natal ou no Ano Novo e rir com gosto das piadas e casos interessantes. Comigo, ele sempre brincava “lá vem Angel com as selfies dela”. E posava na maior alegria.
Foi através dele que eu concorri à presidência da Abraji (2008-2009). Quase não aceitei o convite. Tinha perdido minha mãe em dezembro e estava arrasada. Ele entendeu e disse para eu pensar no assunto ao longo do ano seguinte, 2007, quando haveria a eleição. Caminhamos juntos naquele biênio. Também estávamos lado a lado na homenagem que recebemos em 2022, nos 20 anos da associação.
Taurino de coração aberto, bom de garfo, de risadas, de análises precisas em política e jornalismo. E acima de tudo, extremamente generoso. Mestre Beraba é um amigo que deixa um legado precioso.
Fernando Rodrigues, jornalista e ex-presidente da Abraji
Marcelo Beraba deve sempre ser lembrado como exemplo pelos conceitos escorreitos e objetivos que defendeu para esta que é a mais linda das profissões.
Foi um dos chefes mais organizados com quem tive o privilégio de conviver na carreira de jornalista.
Tenho muitas histórias pessoais de apurações e investigações que fiz incentivado e comandado por Beraba. Não mencionarei agora nenhuma dessas pautas. Prefiro me concentrar nele, um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro.
Generoso, Beraba ajudava a definir meticulosamente como as pautas poderiam e deveriam ser executadas. Sugeria fontes. Dava os números de telefones. Facilitava a vida do repórter. Falava sobre a importância de definir prazos. E de cumprir prazos. Era implacável na cobrança. Em coberturas especiais, era um planejador inigualável ao distribuir tarefas e pautas a todos os envolvidos.
Sou muito grato a ele por ter me ensinado como me organizar para trabalhar de maneira correta no jornalismo.
Um dia, há muito anos, Beraba me mandou um e-mail e também para vários colegas jornalistas. Guardei a mensagem. Era um e-mail no qual ele propunha a criação de uma nova organização de jornalismo, logo depois de nosso colega Tim Lopes ter sido assassinado pelo tráfico, no Rio. Aquele e-mail de Beraba foi o nascimento da Abraji, a mais respeitada organização de jornalistas no Brasil. Beraba foi seu idealizador maior. Os milhares de jornalistas que já foram e que ainda irão aos congressos da Abraji serão para sempre devedores de Beraba. Sem ele e sem sua obstinação pela montagem da organização, a Abraji não teria sido criada.
Ao longo dos anos, Beraba e vários outros jornalistas que fundaram a associação nos afastamos do comando da Abraji. Lembro de maneira muito vívida como desde o início defendíamos a troca regular da diretoria, com o veto à reeleição de presidentes. Assim foi. Essa é uma das forças motrizes da Abraji: a renovação constante e o respeito pelas novas gerações que chegam e que, do seu modo, tocam a entidade. A índole tolerante e apaziguadora de Beraba é uma linda mensagem para o jornalismo e para a vida: respeitar e dialogar com quem pensa diferente de você.
Beraba foi um grande incentivador de gerações de jornalistas. Mostrava que ser bem-sucedido nessa profissão não tem nada a ver com algo inato. O bom jornalismo não é um dom divino. A praticidade e infinita capacidade organizacional de Beraba deixavam claro que os apaixonados pelo jornalismo poderiam ter muito sucesso com planejamento, com organização e com disciplina. Que seus ensinamentos prosperem cada vez mais para que o jornalismo profissional seja crítico, apartidário, obcecado pela busca da objetividade e da imparcialidade, tendo como norte a apuração da verdade dos fatos.
Marcelo Moreira, jornalista e ex-presidente da Abraji
Beraba pra mim é como se fosse um pai no Jornalismo. Quando chegou ao Jornal do Brasil, em 1996, eu e toda a redação ficamos meio assustados. Ele tinha fama de durão e trazia uma cultura que ele mesmo tinha ajudado a implementar nos doze anos que passou pela Folha de S. Paulo. Era carioca, mas o jeitão sério de trabalhar não combinava muito com a redação descontraída do JB naqueles anos 90.
Eu era repórter da editoria de Cidade ainda começando a fazer minhas primeiras matérias, quase sempre assuntos factuais sem grande destaque. Beraba vinha com uma história de grandes reportagens na Folha. Tinha coordenado coberturas como as Diretas-Já, eleição do Collor, Impeachment entre outras.
No JB, ele não iria fazer por menos. Era uma oportunidade e ao mesmo tempo dava medo pra mim que estava começano. Um dia o Bruno Thys, editor de Cidade me disse que o Beraba queria falar comigo sobre uma pauta. Eu gelei!! Entrar no aquário de um editor-executivo não era muito o meu perfil.
Entrei na sala e ele me pediu para começar uma apuração sobre a máfia dos ônibus, que dominava o transporte no Rio de Janeiro naqueles anos 90. Era até então a maior missão que eu tinha recebido como repórter. Sem tempo para entregar. “Apura tudo que puder. Quero saber como eles atuam em todas as esferas: executivo, legislativo, Judiciário, tudo. Não se preocupa com o tempo”, disse ele.
Seis meses e muitos encontros na sala dele depois, nascia uma das maiores reportagens investigativas da minha vida: “O Cartel dos ônibus”, assinada em parceria com meu amigo e colega Renato Fagundes. A reportagem desencadeou uma série de desdobramentos. Uma investigação no Ministério da Justiça, um redesenho da forma como o poder público operava o sistema estavam entre as maiores. Até hoje, quando se fala do domínio das empresas de ônibus no Rio, nomes que foram relevados pela primeira vez com detalhes de seu poderio pelo JB ainda são lembrados.
Aquela matéria seria a minha virada de carreira para um repórter especial e minha carreira no jornalismo nunca mais seria a mesma. Depois dos ônibus o Beraba voltaria a me chamar outras vezes. “Moreirão, tenho uma pauta pra você”. E já sem medo lá ia eu mergulhar em tantas outras pautas que vieram. “Metrô mais caro da Terra”, especial Baía de Guanabara, cobertura da Copa do Mundo da França, conflitos da PM no Ceará, e muitas outras.
Beraba saiu do JB em 1998 e eu me senti órfão na redação. O jornalista que acreditava nas grandes matérias. Que fazia do repórter um protagonista da história. Ele não estava mais ali. A gente nunca mais trabalhou na mesma redação, mas ficamos mais próximos do que antes.
Em 2002, eu já estava na Globo quando o jornalista Tim Lopes foi assassinado em uma favela na Vila Cruzeiro, zona da Leopoldina do Rio. Beraba tinha voltado pra Folha e me chamou para fazer parte de um grupo de jornalistas que mais tarde criaria a Associaçao Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji.
Da morte de um colega nasceu o maior legado que Beraba poderia ter deixado para gerações futuras. Uma associação que se preocupava com a formação, a proteção da liberdade de expressão e a criação de ferramentas que tornassem mais preciso o trabalho do repórter. Mais tarde, a convite do Beraba, eu viria presidir a Abraji. E foram anos difíceis, das manifestações nas ruas de 2013. Criamos um observatório que monitorou os ataques. No fim do ano, a Abraji foi reconhecida pelo jornal O Globo com o prêmio Faz Diferença, um dos meus maiores orgulhos.
Beraba fazia a diferença; eu, que perdi meu pai biológico recentemente, sinto essa dor novamente da perda do meu pai no jornalismo. Os valores que aprendi com ele ficam pra sempre e tenho orgulho dos anos que vivemos juntos. Muitos ele chamava de “mestre” e esse era também um dos jeitos carinhosos que os colegas o chamavam. Pra mim, sempre foi mais que um mestre. Era um pai. Fica com Deus, Beraba.
José Roberto de Toledo, ex-presidente da Abraji, apresentador de A Hora e UOL Prime podcast
Marcelo Beraba há muito tempo se convenceu de que jornalismo é melhor em equipe. Percebeu também que, para trabalhar como um time que joga unido, é preciso ter método: um conjunto de regras e princípios sobre os quais todos concordam e se baseiam para exercer suas funções. Agiu persistentemente para concretizar essa ideia. E conseguiu.
Beraba melhorou o jornalismo no Brasil.
Pelo que aprendi na convivência de quase quatro décadas, foi a isto que Beraba dedicou sua carreira: formar equipes, identificar e treinar talentos, implementar o método jornalístico na prática – nas melhores práticas.
Além de unir repórteres, editores e redatores em torno de um método comum em muitas das principais redações do Brasil (O Globo, Folha, Jornal do Brasil, TV Globo e Estadão), Beraba espalhou essa oportunidade para todo e qualquer jornalista ou estudante de jornalismo que queira enfrentar o desafio de trabalhar bem em conjunto.
Beraba foi o idealizador e fundador de uma associação de jornalistas criada para difundir as melhores práticas da reportagem e para compartilhar conhecimento, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Fez isso em 2002, quando a regra na profissão era concorrer, não cooperar. Poucos dividiam técnicas, fontes, dicas. A Abraji multiplicou esses poucos.
Cooperar e jogar junto pode parecer banal, óbvio. Mas, não raras vezes, redações de jornalismo operam como aquilo que o jargão do futebol chama de “catado”: cada um correndo para um lado e se embolando em campo para tentar não tomar gol (ou furo). Na era dos influenciadores antissociais, o risco do “jornalismo cada um por si” é crescente.
Por causa de seu trabalho permanente de formar equipes, implementar as melhores práticas de reportagem e difundir conhecimento, Beraba transformou minha carreira como jornalista pelo menos três vezes. Profundamente.
Em 1989, ao planejar a cobertura jornalística que a Folha faria daquela histórica eleição presidencial, Beraba criou equipes distintas. Entre elas, um time dedicado a reportar em profundidade os principais desafios que o primeiro presidente eleito após a ditadura militar no Brasil teria que enfrentar, e o que os presidenciáveis propunham sobre cada desafio. Ali, à sombra do maior repórter do país à época, Clóvis Rossi, e editado por Beraba, comecei a aprender a fazer reportagem de fato.
Em 2002, Beraba me convenceu a entrar para uma associação que ele estava criando. Era o que viria a ser a Abraji. Beraba queria que eu desse treinamentos de uma técnica que à época ainda engatinhava no Brasil, a Reportagem com Auxílio do Computador (RAC). Me dediquei por pelo menos uma década à missão dada por Beraba. Como eu, muitos outros a cumpriram: a Abraji treinou dezenas de milhares de jornalistas e estudantes no que hoje se chama jornalismo de dados.
Em 2009, Beraba me convidou para voltar à redação de um jornal. Deixei a empresa de conteúdo jornalístico que eu havia criado dez anos antes para aplicar o jornalismo de dados no Estadão. Virei colunista de política do jornal e criei, com incentivo de Ricardo Gandour, o Estadão Dados.
São três exemplos triviais na carreira de Beraba. Ele influenciou e moldou o jornalismo praticado por milhares de jornalistas. Na imensa maioria dos casos, para melhor. Não por acaso, o chamamos de “Mestre Beraba”. Agora e sempre.
Katia Brembatti, presidente da Abraji
A preocupação do Marcelo Beraba com os fundamentos do Jornalismo, com o rigor da apuração, sempre revelou o que ele representa: Uma pessoa fundante, fundamental, um alicerce.
Como impulsionador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ele deu as diretrizes que seguimos e seguiremos na organização.
Tivemos a satisfação de homenageá-lo várias vezes, principalmente quando a Abraji completou 20 anos, e também no congresso de 2025, mostrando claramente nossa reverência ao que ele significa para a Abraji e para o jornalismo.
Beraba fará falta, mas estará sempre presente a partir das marcas evidentes que deixou em nossas vidas. Para mim, ficam os ensinamentos e a missão de levar a Abraji adiante, a partir dos ensinamentos que ele deixou. Que a querida Elvira Lobato, diretora na atual gestão da Abraji, e todos os demais familiares e amigos encontrem força nesse momento difícil de despedida.
Thiago Herdy, ex-presidente da Abraji, colunista e editor do núcleo de jornalismo investigativo do UOL
A crença de Marcelo Beraba na capacidade do jornalismo de informar a sociedade de forma precisa, ética e responsável inspirou gerações e gerações de repórteres. Tanto aqueles que tiveram a sorte de conviver com ele em algum momento da vida, como aqueles que foram impactados por alguma iniciativa da Abraji nos últimos 20 anos.
Beraba não foi apenas fundador e presidente da principal entidade de defesa da profissionalização do jornalismo do país. Poucos sabem o quanto ele se dedicou a ela nos bastidores, o quanto lutou para que ela crescesse cada vez mais diversa e participativa.
É uma das pessoas mais generosas que conheci, amigo e orientador a quem dedico toda minha trajetória profissional.
Marcelo Träsel, ex-presidente da Abraji e professor de Jornalismo
Marcelo 1º, como gosto de chamar carinhosamente o Beraba, por ter sido o primeiro dos três presidentes chamados "Marcelo" ao longo das duas décadas de Abraji, poderia ilustrar o verbete "Jornalista" da enciclopédia. Transitava tão bem nos altos escalões do Estado de S. Paulo quanto entre jornalistas independentes na Amazônia. Só vim a conhecê-lo quando comecei a participar da diretoria da associação que, sem dúvida, era um de seus principais interesses na vida. Encontrei um colega sempre disposto a compartilhar sua vasta experiência e aconselhar os menos veteranos. Sou muito grato por ter tido a oportunidade de aprender com ele e pela dedicação que ele demonstrou ao aprimoramento do jornalismo no Brasil até o último momento.
Daniel Bramatti, ex-presidente da Abraji e editor do Estadão Verifica
No final de 2017, fui surpreendido pela notícia de que me candidataria à presidência da Abraji pouco tempo depois – o plano inicial era que eu concorresse como vice, mas motivos de força maior alteraram a composição da chapa. Confesso que fiquei um pouco desnorteado. Foi uma conversa direta e esclarecedora com Marcelo Beraba que me fez entender o desafio a encarar e a missão a cumprir.
Naquele dia, o Mestre me deu instruções precisas e rigorosas, como costumava fazer ao comandar grandes coberturas. Explicou as intenções dos fundadores, as conquistas e os objetivos ainda a atingir. Deixou claro que eu teria de me dedicar muito e que as exigências do cargo eram altas, mas também me tranquilizou ao dizer que os “cabeças brancas” estariam a postos para ajudar sempre que necessário. Não era só da boca pra fora: ele e outros veteranos de fato colaboraram em momentos chave, com conselhos, críticas e trabalho voluntário em cursos e nos congressos.
Entre as muitas boas coisas da Abraji, um destaque é a possibilidade de conviver com ídolos da profissão. Fui colega de Beraba na Folha e no Estadão, mas sem muita proximidade – ele vivia em São Paulo quando eu morava em Brasília e vice-versa. Em 1994, ele já era secretário de Redação da Folha quando eu era apenas um foca que diariamente tomava sol na cabeça em plantões na frente da casa de Fernando Henrique Cardoso, então presidente eleito. No Estadão, a partir de 2008, ele comandava a sucursal de Brasília enquanto eu, na sede do jornal, transitava pela Política, pelo Estadão Dados e pelo Estadão Verifica. Nessa época, os encontros eram raros, mas sempre marcados pela gentileza e pelos comentários certeiros sobre o trabalho e os rumos do país. Na Abraji, posso dizer que passamos a ser amigos.
Guardo na memória os bons momentos, os sorrisos, os abraços e os ensinamentos. Valeu muito, Mestre.
Renata Cafardo, jornalista do Estadão e presidente da Jeduca
“Ele permitia uma ousadia planejada”, assim a filha de Marcelo Beraba resumiu o brilhantismo do pai nas redações em um documentário de homenagem a ele, feito pela Abraji, em 2022. Foi isso mesmo que senti durante a apuração do roubo do Enem, em 2009, quando dois homens que surrupiaram a prova tentaram vender o exame para mim, no Estadão. Ele foi decisivo para que planejássemos com seriedade e ética, mas com urgência jornalística e segurança, a reportagem que se tornou um grande furo da história do jornalismo de educação. E, sempre, extremamente generoso e gentil, um mestre como poucos. Nunca vou esquecer que foi ele que me deu o primeiro abraço, emocionado, quando cheguei à redação no dia seguinte daquele furo, me parabenizando repetidas vezes. Foi aí que eu, jovem jornalista, acreditei que tinha realmente feito algo grande. Obrigada, Beraba, vou agradecer para sempre.
Tiago Mali, jornalista, colunista do UOL e ex-gerente de Treinamento da Abraji
Beraba foi o melhor de muitas gerações na sistematização de como se fazer bom jornalismo. Uso diariamente os conceitos de organização que aprendi no seu curso Fundamentos da Reportagem. A generosidade do mestre Beraba, que nos legou a Abraji, permanecerá na forma de reportagens e na transmissão desse conhecimento pelos muitos jornalistas que tiveram sorte de conhecê-lo.
Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil e ex-gerente executiva da Abraji
Beraba sempre foi e será a referência.
Sua visão, sempre ponderada, era o norte para decisões sobre os rumos da Abraji. Não porque ele assim se impusesse, ao contrário. Mas porque vinha não só de sua experiência, mas de sua dedicação permanente à organização que fundou e, principalmente, ao bom jornalismo.
Era generoso em compartilhar o muito que sabia, fosse com jornalistas profissionais ou estudantes - inclusive os próprios erros, para mostrar que eles acontecem e devem servir para melhorar. Na mesma intensidade, estava o tempo todo aberto a aprender.
Foi um grande privilégio ter convivido com o Beraba e tido com ele uma relação não só de mentoria e admiração, mas também de amizade.
Marcelo Soares, jornalista, diretor do estúdio de inteligência de dados Lagom Data e primeiro gerente-executivo da Abraji
Marcelo Beraba foi um mestre –e ouça essa palavra dita com seu simpático sotaque carioca– para todos os que o conheceram. Só alguém com sua experiência e visão, raríssimas, poderia ter inventado algo como a Abraji. Beraba conhecia Tim Lopes, cujo assassinato em 2002 reuniu 40 jornalistas para pensar em uma associação. Conhecia a experiência do IRE, a associação de jornalistas investigativos criada nos EUA em 1975. E conhecia todo mundo no jornalismo brasileiro, dos patrões até um jovem que toureava planilhas, no caso eu, que virei o primeiro gerente da associação. Beraba sabia articular, sabia inspirar, sabia planejar e sobretudo sabia fazer jornalismo investigativo, como repórter, editor e executivo. Suas raríssimas qualidades deixam uma falta irreparável na profissão.
Santiago O'Donnell, jornalista, jurado do Colpin
Marcelo foi um grande mestre dos jornalistas, um grande amigo, um grande anfitrião, ou ,melhor dizendo, a metade de um grande casal de anfitriões, porque, com Elvira, ele fazia você se sentir em casa. Sua casa acolhedora e linda na Lagoa, seu orgulho em servir pratos de diferentes regiões do país, seu riso contagiante e as conversas profundas sobre nossa profissão são memórias inesquecíveis. Sua abordagem rigorosa, ética e comprometida moldou toda uma geração de jornalistas latino-americanos. Sentiremos sua falta, Maestro Beraba.
Ignacio Rodríguez Reyna, jornalista mexicano
Querido Marcelo, não consigo encontrar as palavras certas para agradecer à vida por ter tido a sorte de cruzar o caminho de um amigo e colega tão generoso. Dói-me saber que não poderemos nos ver novamente, que não nos encontraremos novamente no Rio, na Cidade do México ou em qualquer outro lugar. Querido Marcelo, que sua jornada seja tão brilhante e acolhedora quanto sua vida tem sido. Sentiremos sempre sua falta, querido amigo. Receba um abraço sincero.
Fernando Ruiz, ex-presidente da Fopea
Marcelo foi uma ponte entre o jornalismo brasileiro e o restante da América Latina. Ele nos ajudou a conhecer melhor a riqueza profissional e humana dos jornalistas brasileiros e, assim, nos inspirou a aprimorar nosso trabalho. De seus anos como ombudsman à sua participação como jurado do Prêmio Colpin, ele foi um mestre de uma influência regional.
Sérgio Gomes, jornalista e coordenador da Oboré
Beraba, meu amigo,
Sua vida está cravada na pedra do Jornalismo e no coração dos que convivem com você. Seus gritos já se transformaram em alertas para bem conduzir a nossa profissão. E continuam ecoando, como nesta canção que lhe ofereço, do fundo de minha alma...
Serjão
A canção do albatroz
Máximo Gorki, 1901
"Sobre a superfície cinzenta do mar,
O vento reúne
Pesadas nuvens.
Semelhante a um raio negro,
Entre as nuvens e o mar,
Paira orgulhoso o albatroz,
Mensageiro da tempestade.
E ora são as asas tocando as ondas,
Ora é uma flecha rasgando as nuvens,
Ele grita.
E as nuvens escutam a alegria
No ousado grito do pássaro.
Nesse grito - sede de tempestade!
Nesse grito - as nuvens escutam a fúria,
A chama da paixão,
A confiança na Vitória.
As gaivotas gemem diante da tempestade,
Gemem e lançam-se ao mar,
Para lá no fundo esconderem
O pavor da tempestade.
E os mergulhões também gemem.
A eles, mergulhões,
É inacessível a delícia da luta pela vida:
O barulho do trovão os amedronta...
O tolo pingüim, timidamente
Esconde seu corpo obeso entre as rochas...
Apenas o orgulhoso albatroz voa,
Ousado e livre sobre a espuma cinzenta do mar.
Tonitroa o trovão.
As ondas gemem na espuma da fúria.
E discutem com o vento.
Eis que o vento
Abraça uma porção de ondas
Com força e lança-as
Com maldade selvagem nas rochas,
Espalhando-as como a poeira,
Respingando uma noite de esmeraldas.
O albatroz paira a gritar
Como um raio negro,
Rompendo as nuvens como uma flecha,
Levantando espuma com suas asas.
Ei-lo voando rápido como um demônio;
Orgulhoso e negro demônio da tempestade;
Ri das nuvens, soluça de alegria!
Ele - sensível demônio -
Há muito vem escutando
Cansaço na fúria do trovão.
Tem certeza de que as nuvens não escondem,
Não, não escondem...
Uiva o vento... Ribomba o trovão...
Sobre o abismo do mar,
Um monte de nuvens pesadas
Brilham como centelhas.
O mar pega as flechas de relâmpagos
E as apaga em sua voragem.
Parecem cobras de fogo.
Os reflexos desses raios,
Rastejando sobre o mar e desaparecendo.
_ Tempestade!
Breve rebentará a tempestade!
Esse corajoso albatroz
Paira altivo entre os raios
E sobre o mar furiosamente urrando
Então grita o profeta da Vitória:
QUE MAIS FORTE ARREBENTE A TEMPESTADE!"
Sérgio Dávila, diretor de Redação da Folha
Marcelo Beraba tinha o costume de chamar a todos os colegas de Redação de 'mestre', mas era ele o professor de jornalismo, que ensinou a mais de uma geração princípios de ética, profissionalismo e precisão. Fará falta imensa.
Ruy Castro, jornalista e escritor, membro da ABL
Nunca trabalhei com Beraba, mas isso não era necessário para admirá-lo por tudo que contribuiu para nossa profissão. Sei também, de primeira mão, de sua enorme dignidade como pessoa.
Fará muita falta.
João Paulo Charleaux, colunista do Nexo e colaborador da Folha de S. Paulo e da Carta Capital
Soube há pouco da morte do Marcelo Beraba. Desde a partida do Clovis Rossi, em 2019, esta foi a maior perda, pra mim, na profissão. Ambos eram de uma geração anterior à minha, e representavam tudo o que eu admiro e tudo o que eu sempre quis fazer no jornalismo.
Pensando agora, o Beraba ocupava na minha cabeça a função de uma régua. Quando eu me questionava sobre se o que eu estava escrevendo satisfazia os critérios de um bom jornalismo, eu de certa forma me via conversando com ele; argumentando e defendendo meus pontos de vista a respeito de uma determinada matéria, coluna ou análise. O Beraba sempre foi, na minha cabeça, o padrão. A forma de ele ver a profissão correspondia ao meu ideal de jornalismo. É a ele que eu me reportava o tempo todo, mesmo quando não era meu editor.
Ele sabia que eu gostava dele, mas não imaginava que chegava a tanto. Não é o tipo de coisa que você diz a um colega, afinal. Não é nem o tipo de coisa que eu havia conseguido formular para mim mesmo antes da morte dele. Eu sentia isso, mas não tinha me dado conta da materialidade cotidiana que ele tinha na minha forma de exercer o ofício. A morte torna as coisas claras. Reduz ao essencial e ao verdadeiro.
Tantas pequenas histórias, conversas e alguns poucos casos para lembrar. A gente sempre acha que vai reencontrar a pessoa daqui a pouco. De repente, vê a notícia. Que grande perda. Mas a vida é assim, ela contém a morte. Temos de aprender com isso. É mais uma lição do Beraba. Ele, que tanto falava sobre “os fundamentos da reportagem”, agora dá uma palavrinha sobre os fundamentos da vida.
Mário Magalhães, jornalista e escritor
O amigo Marcelo Beraba será lembrado para sempre como um gigante do jornalismo, um dos maiores talentos de sua geração, o melhor executivo jornalístico que tive a sorte de conhecer. Talvez sua virtude profissional mais valiosa tenha sido reconhecer a reportagem como o gênero mais relevante do jornalismo. Em todos os postos de chefia que exerceu, ele conservou a cabeça do repórter que jamais deixou de ser. Foi assim também como ombudsman da Folha de S. Paulo: pensava como repórter.
Nosso primeiro contato, antes de estabelecermos a longeva relação profissional e, sobretudo, pessoal, ocorreu em 1991, na banca da minha admissão na Folha – o Beraba foi um dos seus componentes. Logo passamos a nos encontrar de segunda a sexta, às 8h, na sala de enorme mesa redonda onde era feita na alameda Barão de Limeira a reunião de planejamento da edição do dia. O Beraba era o chefe de reportagem do jornal, o “secretário de Redação da área de Produção”. Eu, o pauteiro/chefe de reportagem de Esporte.
“Esse cara não dorme?!?”, eu pensava às vezes, quando ele cedinho dava a impressão de já ter lido todos os jornais e todas as editorias numa era pré-internet. Com os pauteiros de cada editoria, o Beraba alinhavava a jornada e cobrava de nós o mesmo empenho que exigia de si próprio. “Mestre”, ele principiava, fosse para elogiar um trabalho, organizar a cobertura ou dar broncas – colecionei algumas. Ali aprendi, todos aprendemos muito com ele.
O Beraba tinha uma característica peculiar e admirável. Jornalistas são seres que sentem prazer em se lamuriar do trabalho e da vida. Mesmo que esteja tudo bem, nosso deleite é reclamar. Pois o Beraba, mesmo quando reclamava, não conseguia disfarçar: adorava o que fazia. Era louco por jornalismo. Não vivia a se queixar disso e daquilo. Vibrava com o cotidiano jornalístico, a aventura a que ele dedicou a sua vida, a que dedicamos as nossas. Tinha gosto em ensinar as novas gerações, e assim semeou e regou tantos talentos.
Marcelo Beraba foi um cidadão digno que amou o jornalismo. Quem o conheceu não o esquecerá.
Um beijo pra Elvira, pra Ana Luiza, pra Ciça, pra Olívia e pro João.
Luis Botello, presidente do Media for Democracy Foundation
A América Latina perdeu um dos maiores jornalistas da região. Marcelo Beraba foi uma inspiração para muitos jornalistas no Brasil e no mundo. Conheci Marcelo há mais de 20 anos em Recife, onde organizamos o primeiro workshop brasileiro sobre liberdade de imprensa, como parte do programa Mídia e Liberdade de Expressão, desenvolvido pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ). Naquele evento, que reuniu mais de 20 jornalistas do Norte do Brasil, Marcelo foi o primeiro a defender a criação de uma organização brasileira que pudesse fornecer aos jornalistas locais as habilidades necessárias para proteger a liberdade de imprensa e expandir o jornalismo investigativo.
Ele é o mentor da ABRAJI, uma das organizações de jornalismo mais influentes do mundo. Foi uma honra trabalhar com Marcelo, um jornalista com a visão de ajudar outros jornalistas a realizarem seu trabalho com altos padrões profissionais. Sentiremos muito a sua falta.
Carlos Eduardo Huertas, diretor do Connectas, da Colômbia
Marcelo, esse grande ser humano, foi uma prova fundamental do que é um líder jornalístico que transforma através do impulso. Ele fez isso com a ABRAJI, esse grande exemplo de organização, e com seu apoio incondicional à época, ao incipiente Conselho Editorial da Colômbia. Um conselheiro sábio, generoso e perspicaz, ele também foi o melhor guia que alguém poderia desejar em seu amado Rio. Grande Marcelo!
Brant Houston, ex-diretor do IRE e um incentivador da criação da Abraji
Marcelo Beraba foi um grande jornalista que, como primeiro presidente da Abaji, foi fundamental para seu sucesso inicial. Como líder da Abraji, ele colocou a organização no mapa mundial ao garantir que a Conferência Global de Reportagem Investigativa (GIJC) chegasse ao Rio de Janeiro em 2013, onde mais de 1.300 jornalistas de 93 países se reuniram. Ele fará muita falta.