Abraji registra 40 jornalistas bloqueados por autoridades no Twitter
  • 27.10
  • 2020
  • 14:15
  • Mirella Cordeiro

Liberdade de expressão

Acesso à Informação

Abraji registra 40 jornalistas bloqueados por autoridades no Twitter

No dia 15.set.2020, quando Arthur Weintraub, então assessor especial da Presidência da República, postou um vídeo no Twitter anunciando que assumiria um cargo na Organização dos Estados Americanos (OEA), Leandro Prazeres, repórter de O Globo, tentou abrir a publicação, mas não conseguiu. Estava bloqueado. Ele e outros 39 profissionais foram bloqueados por autoridades públicas que usam suas contas pessoais para divulgar atos oficiais. É o que revela monitoramento feito pela Abraji iniciado em 2020.

Para coletar os casos, a Abraji divulgou um formulário, mas também recebe relatos por outros meios. Pela metodologia adotada no monitoramento, o número de bloqueios chega a 81, pois um mesmo jornalista pode ser impedido de acompanhar mais de uma pessoa em cargo público. Dentre as 40 pessoas identificadas, três são colunistas e alguns foram impedidos de acessar as contas antes de 2020. 

Quando foi bloqueado, Leandro Prazeres relatou o que havia acontecido no próprio Twitter e, em seguida, recebeu respostas de oito profissionais de imprensa comentando que também tinham sido bloqueados pelo irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub.

Paula Ferreira, que trabalha em O Globo, foi uma delas. “Imagino que ele me tenha me bloqueado por cobrir educação”, disse à Abraji.

Guilherme Caetano, repórter de política do mesmo jornal, só descobriu que também sofrera bloqueio após o tweet do colega. “Fico me perguntando como ele [Arthur Weintraub] fez essa triagem para nos localizar, já que bloqueou inúmeros jornalistas que não interagiam com ele. E por que ele achou ser uma boa ideia que não tivéssemos acesso ao conteúdo postado? É uma atitude totalmente não republicana”.

Segundo o levantamento da Abraji, a maioria dos bloqueados é homem (28) e da região sudeste (31). Os profissionais que mais enfrentaram a barreira atuam em veículos de São Paulo (20), Rio de Janeiro (10) e Minas Gerais (1). Na sequência, vêm os que trabalham no Distrito Federal (6).

Cecília Olliveira, do Intercept Brasil, está entre as 12 mulheres contabilizadas no monitoramento da Abraji. Ela acumula 6 bloqueios no Twitter: do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Marco Feliciano (Republicanos-SP), do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do secretário especial da Cultura, Mário Frias.

Até julho de 2020, a repórter também não podia acessar a conta oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Ela conta que essa situação perdurou por cerca de três anos e que só conseguiu ser desbloqueada depois de recorrer à Lei de Acesso à Informação (LAI). “Eles falaram que desconheciam o bloqueio e, por isso, não me informaram o motivo”, disse.

PL 2630/2020 pode proibir bloqueio

O projeto de lei 2630/2020, conhecido como PL das fake news, atualmente em  discussão na Câmara dos Deputados, prevê que essa prática seja proibida entre agentes dos governos federal, estadual e municipal. A proposta, segundo apontou Marcelo Träsel, presidente da Abraji, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, é um dos poucos pontos positivos do PL, rejeitado por mais de 50 entidades.

O artigo 18 considera de interesse público as “contas de redes sociais utilizadas por entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, e dos agentes políticos cuja competência advém da própria Constituição, especialmente detentores de mandatos eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, além de ocupantes, no Poder Executivo, de cargos como ministros e secretários de Estado.

Celina Bottino, diretora de projetos do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), explica que esses perfis estão submetidos aos princípios da administração pública, de acordo com o artigo 37 da Constituição Federal. Um deles é a “publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos”. Para a pesquisadora, “é como se a atuação nas redes sociais fosse uma extensão das atividades deles, com esse caráter oficial. Basicamente uma extensão da atividade off-line, mas on-line.”

A regra não vale para perfis de caráter pessoal. “Elas [as pessoas com cargos públicos] deveriam ter a liberdade de escolher quem pode segui-las quando estão atuando como pessoas “normais”, não na qualidade de sua função”, opina Bottino. 

Pelo PL 2630/2020, o agente político teria o direito de selecionar quem pode segui-lo, desde que possua outro perfil nas redes sociais. O parágrafo segundo diz: “Caso possua mais de uma conta em uma plataforma, o agente político indicará aquela que representa oficialmente seu mandato ou cargo, sendo as demais eximidas das obrigações deste artigo.”

Vitor Blotta, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e coordenador do Grupo de Pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade, avalia que esse trecho do PL é vago: “Parece que, se o agente tiver outros perfis, ele pode fazer a comunicação que quiser e somente um perfil será o oficial.” 

Na avaliação do professor, os agentes políticos devem ser responsabilizados na medida em que usam seus perfis. “Se ele tiver um perfil pessoal, que não seja o oficial, em que ele trate de quaisquer questões de interesse público, do cargo ou do mandato dele, tem que seguir os princípios da administração pública.”

Blotta entende que, mesmo que o PL 2630/2020 não seja aprovado, pode-se impedir que autoridades bloqueiem o acesso de jornalistas a suas contas, considerando o artigo 37 da Constituição Federal. “Os perfis das redes sociais cumprem um papel na comunicação pública.” 

O monitoramento da Abraji de jornalistas bloqueados por autoridades no Twitter tem apoio da Open Society Foundations. O objetivo do projeto é incentivar a discussão sobre a legalidade dessa prática.

Assinatura Abraji