
- 17.12
- 2025
- 08:00
- Samara Meneses
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Abraji lança novo relatório do Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas
A segunda edição do Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas, projeto da Abraji, revela um avanço no número de ações utilizadas para intimidar profissionais da imprensa no país. Entre 2024 e setembro de 2025, foram 130 novos casos. Lançado inicialmente em 2024 com 654 processos mapeados, o relatório atualizado amplia esse volume para 784 ações nos últimos 11 anos. O levantamento é realizado com apoio da Embaixada da França, do Instituto Betty e Jacob Lafer e em parceria com o Jusbrasil.
Um dos eixos centrais da nova publicação examina o impacto das decisões do Supremo Tribunal Federal nas ADIs 6792 e 7055, julgadas em 2024. Foi a primeira vez que a Corte tratou expressamente do assédio judicial, reconhecendo a prática e estabelecendo parâmetros para impedir que o sistema de Justiça seja usado como instrumento de silenciamento da imprensa.
As ações, propostas em 2021 pela Associação Brasileira de Imprensa (ADI 6792) e pela Abraji (ADI 7055), contestavam a pulverização de processos idênticos em diferentes comarcas, muitas vezes se utilizando dos Juizados Especiais Cíveis (JECs), e apontavam como esse mecanismo vinha impondo custos financeiros e estruturais capazes de inibir a atividade jornalística.
No julgamento, os ministros reconheceram que a multiplicação territorial de ações idênticas gera um efeito inibidor sobre jornalistas, e fixaram três fundamentos: reconhecimento jurídico do assédio judicial; reunião das ações idênticas no foro do jornalista ou do veículo; responsabilização civil da imprensa apenas em casos de dolo ou culpa grave.
O relatório do Monitor de Assédio mostra que a aplicação do precedente ainda é tímida. Entre 50 casos analisados com decisões posteriores ao acórdão do STF:
- 74% não mencionaram as ADIs 6792 e 7055;
- Apenas 26% citaram o precedente;
- Entre os casos que mencionaram as ADIs, 38% tiveram decisões desfavoráveis à liberdade de imprensa.
Crescimento do assédio judicial desde 2020
Além da análise jurisprudencial, o relatório atualiza as estatísticas gerais do Monitor. Embora nem todos os 130 novos casos correspondam a ações iniciadas em 2025, a consolidação histórica revela uma tendência clara de crescimento do assédio judicial a partir de 2020, com 62 processos registrados em 2021, 65 em 2022, 80 em 2023 e 53 em 2024.

Os dados também mostram que 67,2% dos 455 processos civis estão concentrados nos Juizados Especiais Cíveis, frequentemente utilizados por permitirem ações sem custo inicial para o autor, enquanto 29% dos casos analisados pelo Monitor aparecem na esfera criminal, considerada particularmente grave por seu potencial de gerar autocensura.
No conjunto total dos 784 processos registrados, 86,4% tramitam na área cível e 13,6% na penal; porém, quando observamos os 126 casos de assédio judicial, o uso do sistema criminal ganha maior relevância, representando 29,1% dos casos, em comparação aos 70,9% na esfera cível.
Litigantes contumazes
O relatório também atualiza o ranking dos chamados litigantes contumazes — autores que mais ajuizam ações classificadas como assédio judicial. O cenário mostra a predominância de figuras com capacidade estruturada de litígio, como agentes políticos, empresários, membros do Judiciário e associações.
Entre 2024 e 2025, os principais litigantes identificados pelo Monitor foram Luciano Hang, empresário que passou de 53 para 56 ações (um aumento de 3 novos processos identificados), Guilherme Henrique Branco de Oliveira, advogado e agente político que foi de 47 para 49 ações, com 2 novos casos encontrados, e Julia Pedroso Zanatta, agente política que registrou o crescimento mais expressivo, saltando de 12 para 33 ações, o que representa 21 novos processos. Quando observados por grupos de poder, os dados reforçam a predominância de atores com maior capacidade de mobilização jurídica e financeira na prática do assédio judicial.

Quando analisado por grupos de poder, o Monitor revela:
- 48% dos casos associados ao poder associativo;
- 25% ao poder político;
- 15,9% ao poder econômico;
- 11,1% ao poder jurídico.
Segundo o relatório, a predominância desses grupos está ligada tanto ao escrutínio público a que estão submetidos quanto à maior capacidade financeira e jurídica para sustentar litígios em série.
Assédio judicial segue como ameaça à liberdade de imprensa
Com 784 processos catalogados desde o início do Monitor, a nova edição reforça que o assédio judicial permanece como uma ameaça real e crescente à liberdade de imprensa no Brasil. Embora o STF tenha dado um passo importante ao reconhecer e definir parâmetros para combater a prática, o diagnóstico mostra que a aplicação desse entendimento está longe de ser uniforme.
Para a Abraji, consolidar o monitoramento e expandir o entendimento sobre o fenômeno é essencial para garantir que o Judiciário não seja usado como ferramenta de intimidação, e para proteger o direito da sociedade de acessar informação jornalística independente.
O relatório apresenta um conjunto de recomendações:
- Ajustar a taxonomia dos processos adotada pelo CNJ, facilitando a identificação de casos relacionados à liberdade de imprensa e implementando um mecanismo unificado e público de consulta processual.
- Assegurar formação e sensibilização de integrantes do Poder Judiciário sobre liberdade de imprensa e padrões internacionais de direitos humanos, garantindo decisões alinhadas ao entendimento de que o assédio judicial representa ameaça às liberdades democráticas.
- Uniformizar os parâmetros jurisprudenciais sobre liberdade de imprensa, reduzindo a insegurança jurídica e fortalecendo a aplicação dos direitos constitucionais e das normas internacionais de proteção.
- Acompanhar, por meio do CNJ, a aplicação das recomendações relacionadas a assédio judicial, judicialização predatória e litigância abusiva, incluindo o monitoramento de casos emblemáticos para apoiar magistrados na identificação precoce dessas práticas.
- Aprovar uma legislação protetiva contra o assédio judicial, incorporando esse tema às políticas públicas de defesa de jornalistas, comunicadores, defensores de direitos humanos e demais ativistas.
Clique aqui para acessar o relatório completo em português. As estatísticas e a planilha com os casos compilados podem ser encontradas no site do Monitor de Assédio Judicial: https://assediojudicial.abraji.org.br/
Jornalistas que estejam sendo assediados, ameaçados ou perseguidos podem solicitar apoio ao Programa de Proteção Legal para Jornalistas da Abraji por meio do formulário disponível neste link. Dúvidas podem ser enviadas para [email protected].