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Declaração de bens e investigações sobre corrupção

Declaração de bens e investigações sobre corrupção

Publicado originalmente em inglês no site do GIJN. Traduzido por Ana Beatriz Assam.

Divulgações de renda e ativos por funcionários públicos, agora obrigatório em cerca de 160 países, podem desempenhar um papel fundamental nas investigações de corrupção e prestação de contas públicas. 

Por definição, esses registros não revelam ocultação de patrimônio, mas podem ser um estímulo para as pesquisas. A descoberta de dados falsos, indicada por funcionários, frequentemente leva a grandes escândalos políticos.

As leis que regulam a divulgação geralmente exigem que um grupo específico de funcionários públicos (como membros do parlamento, chefes de estado e membros de gabinetes) declarem seus interesses financeiros e comerciais. A legislação varia muito nos detalhes exigidos, na frequência em que os relatórios devem ocorrer, se elas se aplicam apenas a funcionários federais e se o cumprimento das divulgações é monitorado. Também diferem quanto a onde encontrar as declarações das chamadas pessoas politicamente expostas (PEPs) e o quanto é divulgado, mas o roteiro geralmente está na legislação.

A GIJN compilou algumas reportagens de jornalismo investigativo em que as divulgações de ativos tiveram um papel importante e reuniu algumas das ferramentas necessárias para procurar bens ocultos. 

Para checar se os funcionários públicos estão dizendo a verdade em suas declarações, aqui estão alguns recursos importantes:

Quatro sugestões de especialistas

Como rastrear riqueza roubada: Dicas para Jornalistas foi o tema do painel de discussão da conferência de 2017 da GIJN em Joanesburgo.

Os palestrantes ofereceram quatro sugestões principais:

  • Use registros públicos de fora do seu país mas não subestime as fontes locais;
  • Use bancos de dados e vazamentos de informações mas sempre tente conseguir os documentos originais;
  • Use mídias sociais e fontes para rastrear o estilo de vida do assunto da sua investigação;
  • Colabore com repórteres de fora do seu país para rastrear ativos.

Imaginação

Além de escavar insistentemente, o pensamento inteligente também pode ajudar em uma reportagem. Aqui está um exemplo engraçado. 

Um jornalista de olhos afiados causou um grande escândalo na Tailândia no final de 2017, quando escreveu sobre os inúmeros relógios caros usados pelo vice-primeiro-ministro Prawit Wongsuwon.

Fotos do pulso mostraram o ministro usando 19 relógios no valor de 24 milhões de dólares. Elas foram selecionadas por um jornalista que se identifica apenas como David, morador de Los Angeles e que publica materiais em tailandês através de uma página no Facebook que ele chama de CSI LA. Veja as fotos neste artigo sobre o que ficou conhecido como “o escândalo do relógio de pulso”. O ministro não incluiu nenhum dos relógios em seus relatórios financeiros apresentados à Comissão Nacional de Combate à Corrupção. Ele alegou que todos os relógios pertenciam a um amigo rico que já havia morrido.

Financiamento coletivo de bancos de dados de ativos

Jornalistas de pelo menos meia dúzia de países estão aprimorando os relatórios oficiais de divulgação de ativos, colocando-os online e adicionando informações a eles, às vezes com ajuda do público. Mais sobre isso abaixo.

Improvável estar à vista

As divulgações de ativos podem ser um ponto de partida para a investigação, mas localizar ativos ocultos pode ser muito difícil. Às vezes, suspeitas são levantadas se a renda declarada e os ativos não corresponderem aos sinais visíveis de um estilo dispendioso.

Abaixo alguns exemplos em que os repórteres descobriram evidências de ocultação de patrimônio.

Comparando Fontes de Informações Oficiais

Em fevereiro de 2017, Direkt36 na Hungria reportou sobre Sándor Farkas, um membro do partido governante Fidesz:

Não há outro membro do parlamento húngaro que tenha recebido tantos subsídios estatais e da União Europeia no ano passado quanto ele. Ele também foi extremamente bem-sucedido na arrecadação de doações em anos anteriores: uma empresa na qual ele é co-proprietário recebeu um total de mais de 2,5 bilhões de florins húngaros (aproximadamente 8,1 milhões de euros) desde 2012.

De tudo isso, no entanto, ele declarou apenas 925,5 milhões de florins (3 milhões de euros) em suas declarações de patrimônio. O resto do dinheiro não foi mencionado em documentos oficiais.

Além de analisar os registros de subsídios, a repórter Anita Vorák, do Direkt36, procurou Farkas em registros de empresas e checou um banco de dados do governo (em húngaro) sobre subsídios agrícolas. O artigo enfatizou as lacunas no sistema de divulgação pública.

Documentos críticos de processos judiciais

Pesquisas de processos judiciais são frequentemente apontadas como uma boa fonte de informações sobre ativos.

Um documento “escondido à vista de todos” em um site foi o impulso de uma grande investigação do Miami Herald sobre as propriedades norte-americanas de Anatoly Petukhov, um ex-general da polícia russa.

O acesso ao documento de 45 páginas do caso foi limitado por uma decisão judicial e os esforços para vazar as informações foram mal sucedidos. Mas ele foi encontrado em um banco de dados da Bloomberg, que havia copiado o documento antes da decisão do juiz.

Os repórteres Nicholas Nehamas, Kevin G. Hall e Lily Dobrovolskaya analisaram os bens de Petukhov, usando uma variedade de ferramentas, para produzir uma investigação publicada em outubro de 2017: “Este general russo lutou contra a máfia. Por que ele possui U$ 38 milhões em imóveis na Flórida?”.

Em outra matéria, publicada em junho de 2017, Dobrovolskaya e Nehamas informaram que Igor Zorin, um funcionário do governo russo, gastou quase U$ 8 milhões em casas na beira da praia no sul da Flórida, incluindo no Trump Palace, algo “pouco prudente financeiramente falando, já que seu salário como funcionário público é de U$ 75.000 ao ano”.

Ele também não indicou devidamente essa compra em sua declaração, como requerido. Zorin foi demitido depois que promotores russos determinaram que seus investimentos violavam as leis anticorrupção do país.

Examinando o Sistema de Divulgação

Os regimes de divulgação de rendimentos nacionais e ativos são famosos por estarem cheios de buracos, o que dá aos jornalistas a oportunidade de expor seus pontos fracos.

O Centro de Jornalismo Investigativo das Filipinas solicitou relatórios de divulgação de informações usando as leis de liberdade de informação. Vino Lucero, em setembro de 2017, relatou “uma epidemia de revisões” depois que os documentos fornecidos foram cobertos com linhas pretas, ocultando seções dos relatórios governamentais de ativos, passivos e capital líquido (SALN) feitas pelos membros do Gabinete. Lucero descobriu que “os detalhes editados dos relatórios incluíam alguns dos mais importantes - e o cerne da razão pela qual os funcionários públicos eram obrigados por lei a arquivar o documento de integridade em primeiro lugar”.

Lacunas nas leis de divulgação de ativos fazem um convite ao factchecking.

Por exemplo, a lei na Flórida não determina a listagem de ativos de cônjuges. Esta e outras fraquezas foram examinadas pelo Florida Bulldog.

Outro documento de divulgação de ativos

Analisar vários documentos de divulgação de ativos foi fundamental para Sarah Karlin-Smith e Brianna Ehley, do Politico, em Washington, para uma reportagem que levou à renúncia da principal funcionária de saúde pública do governo Trump. 

Suas reportagens mostraram que a funcionária havia adquirido ações de uma empresa de tabaco um mês depois que assumiu a liderança da agência encarregada de reduzir o uso de tabaco.

Os repórteres já haviam examinado sua declaração de divulgações financeiras, seu contrato de ética e seu certificado de desinvestimento, mas o furo veio em outro documento, menos conhecido, preenchido posteriormente, sobre negociação de ações.

Em março de 2018, o Politico combinou vários registros para criar “um banco de dados confiável em que se pode pesquisar 2.475 indivíduos nomeados para cargos políticos”, incluindo o gabinete de Trump, funcionários da Casa Branca e altos funcionários do governo.

Mineração de ativos

A Bloomberg News, com apoio do Centro Pulitzer de Relatórios de Crise, rastreou a fortuna do presidente da República Democrática do Congo, Joseph Kabila, e sua família. Os repórteres Michael Kavanagh, Thomas Wilson e Franz Wild compilaram um arquivo de centenas de milhares de páginas de documentos corporativos “que mostram que sua esposa, dois filhos e oito de seus irmãos controlam mais de 120 licenças para escavação de ouro, diamantes, cobre, cobalto e outros minerais.”

Separadamente, o Congo Research Group (CRG) do Centro de Cooperação Internacional da Universidade de Nova York descobriu que a família Kabila “possui total ou parcialmente mais de 80 empresas e negócios no Congo e no exterior”, segundo o relatório de 2017 “Toda a riqueza do presidente” (em inglês). 

OCCRP encontra ativos, mas com dificuldade

“Como esconder uma fortuna russa na Riviera francesa”, escrito por Sophie Balay e feito em parceria com o jornal russo Novaya Gazeta e o francês Le Monde, revela até que ponto um dos oligarcas mais infames da Rússia - o amigo de infância de Putin, Boris Rotenberg - está entranhado na Riviera Francesa. O artigo mostra como é difícil rastrear informações de propriedade.

Não subestime a disponibilidade de material

A reportagem “Bilhões em patrimônio oculto da família do líder chinês” foi publicada em 2012 pelo The New York Times, com detalhes que impressionaram os leitores.

Mas o repórter David Barboza explicou mais tarde como a disponibilidade "chocante" dos registros corporativos permitiu seu trabalho.

Aprimorando/Melhorando Registros Oficiais Com Contribuições Públicas

Alguns meios de comunicação criaram bancos de dados baseados em relatórios oficiais de divulgação de ativos, algumas vezes envolvendo ajuda dos leitores.

No estado australiano de New South Wales, os jornalistas do Guardian Australia contaram com a ajuda do PyBossa e dos leitores do Guardian para investigar possíveis conflitos de interesse entre políticos do governo, conforme descrito neste artigo.

O “registro oficial de interesses monetários” era uma bagunça, apenas metade estava disponível online e com um monte de arquivos em PDF, alguns manuscritos. Mas cerca de 50 voluntários, leitores do Guardian, transcreverem o registro inteiro em menos de três semanas. O banco de dados final pode ser visto aqui.

Posteriormente, “técnicas de análise de dados foram empregadas para comparar o banco de dados com outros conjuntos de dados, como registros de contratos, doações e despesas de viagem”, explica o artigo, e vários políticos tiveram que complementar suas divulgações.

Na Sérvia, a KRIK, uma rede de jornalismo que investiga crimes e corrupção, começou a publicar um banco de dados listando as propriedades dos políticos sérvios em dezembro de 2016, conforme descrito em um artigo publicado pela GIJN (em inglês). A KRIK complementa as informações oficiais, por exemplo, usando um especialista em mercado imobiliário para avaliar as propriedades.

Repórteres do Centro de Reportagem Investigativa de Sarajevo (CIN) coletaram mais de 2.100 documentos sobre 120 políticos na Bósnia e Herzegovina. Estes incluem declarações de bens, registros de terra, documentos de incorporação para empresas de propriedade de políticos, acusações e decisões contra eles e outros documentos oficiais.

Argentina: cidadãos convidados a verificar os fatos

Na Argentina, os cidadãos foram convidados a examinar um banco de dados online que simplificou as declarações de bens dos 800 principais funcionários públicos. 

O Poder Ciudadano, braço da Transparência Internacional na Argentina, trabalhando com grupos da sociedade civil e da mídia, criou um banco de dados com a ajuda de 30 voluntários, que ganhou o prêmio Global Editors Network de 2014 de melhor jornalismo de dados.

No Brasil, o UOL Notícias mantém um banco de dados pesquisável (Políticos do Brasil) desde 2002 sobre candidatos políticos, incluindo informações sobre declaração de ativos.

Funcionários do governo Trump investigados

A ProPublica criou, no início de 2018, o Trump Town, um banco de dados de 2.684 funcionários nomeados para cargos políticos na administração Trump, incluindo seus cargos e ocupações, histórico de empregos, registros de lobby, documentos de ética do governo e divulgações financeiras.

Mais tarde, a ProPublica descreveu as várias formas de uso do banco de dados no artigo “Veja como você pode usar o Trump Town”.

Em outro exemplo de participação de cidadãos, as omissões do conselheiro de Trump, Steve Bannon, foram vistas pela primeira vez por voluntários do #CitizenSleuth, um projeto das redações sem fins lucrativos Center for Public Integrity e Reveal do Center for Investigative Reporting.

A investigação coletiva examinou os detalhados relatórios financeiros de mais de 400 funcionários da administração Trump. A contribuição dos cidadãos é, às vezes, mais “migalhas” do que “ouro”, de acordo com um repórter envolvido, mas um grande número de voluntários permanece ativo, por vezes usando uma página no Facebook.

Para identificar conflitos de interesse entre os membros do legislativo nos estados norte-americanos, o Centro de Integridade Pública e a Associated Press uniram-se no início de 2018 para criar uma biblioteca de divulgações financeiras para mais de 6.933 membros do legislativo, que pode ser pesquisada. Esse projeto e um pouco do que foi aprendido são descritos aqui.

Verificação

A eficácia da divulgação de renda e ativos para combater a corrupção continua a ser debatida.

Um grande relatório sobre divulgações de renda e ativos, “Obtendo o panorama completo sobre os funcionários públicos. Um guia de instruções para Divulgação Financeira Eficaz” (em inglês), publicado pelo Banco Mundial, destaca todas as características dos sistemas eficientes. (O Banco Mundial administra uma Biblioteca de Leis de Divulgação Financeira com acesso a mais de 1.000 leis e regulamentos em 176 jurisdições em todo o mundo.)

De interesse particular dos jornalistas é um capítulo no relatório do Banco sobre problemas com a verificação das declarações.

Muitas agências e profissionais têm dificuldade em identificar quais divulgações de renda e ativos focar para verificação. Se isso fosse possível, a maioria dos profissionais gostaria de ter os recursos para conduzir uma revisão abrangente do conteúdo de todas as informações que recebem.

Uma auditoria “abrangente” provavelmente envolveria as seguintes etapas: verificar a consistência das informações, comparar as informações declaradas ao longo dos anos e conferir os dados declarados com informações externas. Na maioria dos casos, todas essas etapas não são viáveis, porque o volume de informações coletadas é extremamente grande, apenas recursos limitados estão disponíveis ou porque as agências enfrentam ambos desafios. Além disso, a verificação de todas as divulgações recebidas pode não ser uma alocação eficiente de recursos.

Muitas empresas privadas fazem pesquisas de ativos para clientes, especialmente instituições financeiras.

Uma dessas companhias, a Hudson Intelligence, descreve a amplitude de seus esforços, uma leitura interessante. Investigadores privados têm acesso a certos materiais que não são disponíveis para jornalistas.

Seus materiais promocionais fornecem uma lista detalhada dos documentos necessários para uma investigação abrangente:

“Realizamos uma extensa pesquisa em várias classes de ativos, usando uma ampla variedade de recursos investigativos relacionados a empréstimos e registros públicos, que incluem o seguinte”:

Informação de Relatório Financeiro
Relatórios de Crédito Empresarial e do Consumidor
Escrituras de propriedades e impostos
Registros de hipoteca
Declarações de imposto
Fundos familiares e pessoais
Registros Corporativos
Processo civil
Casos no Tribunal Fiscal (EUA)
Pedidos de Falência
Forense Digital e Móvel
Registros de Veículos
Documentos de Valores Mobiliários
Declarações de Financiamento Garantido (Declarações UCC)
Planos de pensão e participação nos lucros registrados na Receita Federal
Cofres
Registros de Leilão - Arte e Antiguidades
Mídias Sociais
Vigilância
Registros Utilitários
Trocas de Criptomoedas (análise de blockchain de Bitcoin)

Assinatura Abraji