Ataques à imprensa brasileira são denunciados em audiência pública com a CIDH
  • 06.10
  • 2020
  • 14:40
  • Abraji

Liberdade de expressão

Ataques à imprensa brasileira são denunciados em audiência pública com a CIDH

Integrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) se disseram “impactados” com as denúncias de aprofundamento das violações à liberdade de expressão e de imprensa e ao acesso à informação no Brasil, durante a pandemia do novo coronavírus. Os casos foram apresentados hoje, 06.out.2020, por uma delegação da sociedade civil, entre elas a Abraji, durante o 177º período de audiências da CIDH.

Em resposta às denúncias, representantes do governo Bolsonaro afirmaram que a violência a jornalistas é "divergência de opinião" e que medidas de isolamento social durante a pandemia “feriram direitos” da população. A gravação da audiência está disponível no perfil da CIDH no Facebook.

Os comissários da CIDH Joel Hernández García e Julissa Mantilla manifestaram preocupação com a violência de gênero e os ataques misóginos feitos contra mulheres jornalistas relatados durante a audiência por Patricia Campos Mello, repórter especial da Folha de São Paulo e vítima de um ataque massivo na internet que incluiu ofensas proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro e sua família. 

“Quero expressar meu total rechaço aos ataques a jornalistas, seja por gênero, seja por raça. Isso depõe contra os fundamentos de uma sociedade democrática. O Estado tem a obrigação de respeitar e de garantir os direitos humanos. Faço um chamado para que essas ações de caráter misógino cessem”, declarou Hernández García.

O pedido de audiência foi articulado pela Abraji e por outras 13 organizações da sociedade civil. Em março de 2020, a delegação brasileira já tinha sido ouvida pelo então relator da CIDH, Edison Lanza, no Haiti, antes da pandemia do novo coronavírus.

Em seu primeiro dia de trabalho como novo Relator Especial para Liberdade de Expressão da CIDH, o colombiano Pedro Vaca sublinhou a falta de avanço do que foi discutido na audiência de sete meses atrás. E, ao ouvir os relatos das organizações e dos jornalistas, fez um alerta. “Os discursos estigmatizantes, proferidos pelo Estado brasileiro, podem desencadear autocensura, especialmente entre ativistas e jornalistas”.
 

Os relatos dos jornalistas 

A reação da CIDH se deu depois de ouvir a primeira rodada de testemunhos da delegação brasileira e de representantes do governo federal.

Pedro Borges, editor-chefe da agência de notícias Alma Preta, contou que, em maio de 2020, o presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão público que tem como missão promover e valorizar a cultura negra, o atacou nas redes sociais, descrevendo-o como “racialista, vitimista, segregacionista, anti-branco, defensor de bandidos”.

“A falta de informação pública impossibilita a plena execução do trabalho jornalístico e promove o cerceamento da liberdade de expressão”, declarou Borges.

Patricia Campos Mello pontuou que a decisão dos principais veículos de imprensa de suspender o envio de seus profissionais ao cercadinho do Palácio do Alvorada foi consequência de uma política sistemática de intimidação de jornalistas. “A situação é especialmente crítica para as jornalistas mulheres. Somos alvo de campanhas de difamação estimuladas e amplificadas pelo governo”, disse.

“Desde fevereiro deste ano, circulam pela internet milhares de memes em que o meu rosto aparece em montagens pornográficas, me chamando de prostituta e fazendo alusões a órgãos sexuais. Recebo mensagens de pessoas dizendo que ofereço sexo em troca de reportagens e que deveria ser estuprada”, relatou.

Secom renova ataque à imprensa

Os representantes do governo federal rebateram as denúncias. O secretário-adjunto de políticas globais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Alexandre Magno Fernandes Moreira, listou ações da pasta para proteger minorias e afirmou que o Estado brasileiro garante o direito à liberdade de imprensa, protegido constitucionalmente por meio do artigo 5º, incisos IV e IX. 

Felipe Cruz Bredi, ex-assessor da Casa Civil e do gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e atual secretário de Comunicação Institucional do governo federal, acusou as organizações presentes à audiência de censurar jornalistas e especialistas que defendiam posições contrárias àquelas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. “Emissoras chegaram a interromper entrevistas ao vivo quando percebiam que o entrevistado estava expressando posição contrária à delas e assim violaram o seu código de ética profissional”, disse.

Depois de ouvir as alegações do governo, Camila Konder, representando a Repórteres Sem Fronteiras, lembrou que um recente levantamento da Artigo 19 listou 449 violações contra jornalistas e comunicadores cometidas por agentes públicos, ligados ao governo federal, nos últimos 20 meses.

“Praticamente uma vez por dia, desde janeiro de 2019, o presidente, seus filhos, senadores, deputados e ministros atacam a imprensa", afirmou Konder, que também destacou a fala de Bolsonaro prometendo encher de porrada um repórter de O Globo.

Além da Abraji, a audiência foi solicitada por Anistia Internacional, Artigo 19, Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, Coalizão Direitos na Rede, Coding Rights, Conectas Direitos Humanos, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, Instituto Vladimir Herzog (IVH), Repórteres sem Fronteiras (RSF) e Terra de Direitos. 

Assinatura Abraji